17 julho, 2006

Acordeões - Entre a Argentina e a Polónia


Recuperação - mais uma - de um texto publicado no BLITZ há alguns meses (Janeiro deste ano). Fala de acordeões, de tango, do passado e do futuro... A propósito de três álbuns (dos Tango Crash, dos Motion Trio - na foto - e uma colectânea de antigo tango... polaco).

TANGO CRASH
«OTRA SANATA»

Galileo/Megamúsica

VÁRIOS
«POLSKIE TANGO»

Oriente Musik/Megamúsica

MOTION TRIO
«PLAY-STATION»

Asphalt Tango/Megamúsica


Argentina-Polónia. Tangos do passado e do futuro. Acordeões a unir tudo.

Já nem há discussão: o acordeão (e as suas variantes, como as concertinas ou o bandoneon) é, na actualidade, um dos instrumentos mais excitantes ao serviço de novas músicas «locais» ou «universais». E, se calhar, já nem é preciso voltar a falar de gente como os Danças Ocultas, Gabriel Gomes, Kepa Junkera, Kimmo Pohjonen ou Chango Spasiuk para se perceber que esta é uma discussão encerrada. E isto para dizer que, nos três discos em análise neste texto, o acordeão é rei e senhor. Mas há outros motivos para ligar três álbuns aparentemente tão diferentes entre si: os argentinos Tango Crash pegam no tango e levam-no para o futuro (numa nave espacial muito mais bem decorada e com uma força locomotora muito mais interessante do que a do Gotan Project), a colectânea «Polskie Tango» mostra tangos do passado, gravados na longínqua... Polónia nos anos 30 (e, acrescenta-se aqui, não há género musical que mais tenha feito pela dignificação do acordeão do que o tango, vd. bandoneon de Astor Piazzolla), e os polacos Motion-Trio pegam nos acordeões e fazem uma viagem paralela à dos Tango Crash, lançando os instrumentos para uma realidade paralela-alternativa-sideral qualquer.

O segundo álbum dos argentinos Tango Crash, «Otra Sanata», mostra o grupo a seguir as pisadas do primeiro, homónimo, mas com desvios valiosos devido à incorporação de novos elementos fixos no grupo. A Daniel Almada (piano) e Martin Iannaccone (violoncelo e voz) – os principais compositores – juntam-se agora um notável bandoneonista, Marcelo Nisimann, um baterista com escola feita no drum’n’bass (o que se nota aqui e ali nos temas deste álbum) e um percussionista. O todo tem agora uma sonoridade naturalmente mais orgânica, mas os tangos e milongas continuam, por vezes, a ser cobertos por um interessante chantilly electrónico (q.b. para dar patine de modernidade sem estragar o sabor original do conjunto). Pitadas de jazz, rock, experimentalismo e música erudita contemporânea fazem o resto. (7/10)

Rewind: uma das milhentas provas de que a música é uma linguagem universal é a colectânea «Polskie Tango», que agrupa tangos e milongas escritos e interpretados por compositores e músicos/cantores polacos no final dos anos 20 e durante a década de 30. Sabe-se lá por que razão, o tango (música nascida na Argentina) tinha uma adesão imensa na distante Polónia dessa altura. E o que começou por ser uma importação e adaptação locais transformou-se numa linguagem própria (com os temas a serem cantados em polaco), com um estilo de tango mais lento, mais triste, mais melancólico, mais «europeu». E é um documento lindíssimo. (7/10)

FFW: 70 anos depois, três polacos tocam acordeão como se este instrumento acústico fosse uma barreira de sintetizadores, comandos de discos voadores ou instrumentos ao serviço de bandas-sonoras de jogos de computador. O seu terceiro álbum, «Play-Station», é de 2001 mas só agora chega ao mercado português. E é uma maravilha de invenção e ritmo e sedução. Aqui há rock, jazz, música minimal-repetitiva, trance, tecno e delírios vários (um dos temas imita o voo de uma mosca; outro mima um jogo de naves espaciais em computador...). Arrasador. (9/10)

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