11 julho, 2006

Híbridos (Recuperados a 2004)


Recuperação de mais um texto publicado na secção World Extra do BLITZ, este de Julho de 2004...

WORLD EXTRA

A história é conhecida: David Byrne defende que a «world music» não existe, sendo apenas uma prateleira nas discotecas ou uma secção nos jornais, existindo, isso sim, milhares de géneros musicais locais ou regionais. Byrne tem razão e, mais, com um bocadinho de esforço, na mal-chamada world music podem também entrar híbridos absolutos como esta selecção que aqui segue...

Híbrido 1: os londrinos Oi Va Voi editaram há alguns meses o seu álbum de estreia, «Laughter Through Tears» (Outcaste), um exemplo quase perfeito de cruzamento da tradição - klezmer, neste caso - com outras sonoridades como o trip-hop, a pop, o drum'n'bass, a música árabe, o flamenco e o reggae mesclado com música cigana dos Balcãs (numa colaboração com Earl Zinger, aka Rob Gallagher, dos Galliano). Mas sempre com os dois pés bem assentes na tradição mesmo que o corpo voe, depois, noutras direcções. E com a colaboração preciosa da cantora escocesa KT Tunstall e de Sevara Nazarkhan, do Usbequistão. (8/10)

Híbrido 2: Já com alguns anos de existência, os latinos baseados em Los Angeles, Estados Unidos, Ozomatli (na foto) editam agora o seu terceiro álbum, «Street Signs» (Real World, EMI), uma fusão quase sempre bem conseguida de funk, hip-hop, música gnawa marroquina, rai argelino, ragas indianas, reggae, heavy-metal, salsa, mariachi, samba-scratch e tudo o mais que eles queiram atirar para o caldeirão. Cantado em espanhol e inglês, este álbum é uma boa surpresa world - ?? - deste ano. (7/10)

Híbrido 3: E que tal um grupo pop turco - e que, à pop, juntava de facto a música turca e a música árabe e o rai, pelo menos no álbum «UC Oyundan Onyedi Muzik» - e que, na sua mais recente aventura, «Psychebelly Dance Music» (Doublemoon) decide acrescentar ao cocktail ainda mais um ingrediente, o produtor Mad Professor (colaborador dos Massive Attack, Lee Scratch Perry e Sly Dunbar & Robbie Shakespeare, entre muitos outros)? Foi isso o que fizeram os Baba Zula e o resultado é delicioso (embora por vezes um pouco repetitivo): música e vozes turcas afogadas numa sopa dub, reggae, drum'n'bass, até surf-music (!), o que for preciso, mas sempre hipnótica e dançante. Dança do ventre psicadélica?... Sim. (7/10)

Híbrido 4: E falando em psicadelismo... Depois de «The Radio Tisdas Sessions» (de 2001), os tuaregues do Mali - com passagem pelos campos de refugiados líbios - Tinariwen estão de volta com um novo e excelente álbum, «Amassakoul» (Emma Productions/Triban Union/Megamúsica). Aqui, os «tuaregues em guitarras eléctricas» liderados por Ibrahim Ag Alhabib - que fundou o grupo em 1979 - misturam com sabedoria as sonoridades tradicionais tuaregues, mandingas, gnawas e árabes com os ensinamentos de gente como Muddy Waters, Jimi Hendrix, Jefferson Airplane e Grateful Dead. É música africana das «margens» do deserto do Sahara, sim, mas infectada com blues, psicadelismo e acid-rock em doses suficientes para que estas guitarras - e estas fabulosas vozes masculinas e femininas que cantam manifestos políticos - pareçam saídas não de África nem dos Estados Unidos (pelons sons paralelos) mas de um outro planeta qualquer. (9/10)

Híbrido 5: E, agora, que tal tentar juntar num mesmo projecto duas das correntes musicais mais dançáveis do mundo? Não, não estou a falar de tecno nem de trance... Estou a falar da música de dança cubana (e de outros locais das Caraíbas) e de música de dança das nações «celtas»: Irlanda, Escócia, Gales... Quer dizer, dos escoceses Salsa Celtica, que no seu segundo álbum, «El Agua de La Vida» (Greentrax) - o primeiro tinha sido «Demonios, Angels and Lovers» - misturam com arte e alegria as cumbias, salsas e merengues caribenhos com jigs e reels, tudo embrulhado em arranjos luxuosos que poderiam ter saído da era de ouro do swing norte-americano. E quando uma gaita-de-foles paira sobre percussões afro-cubanas e se funde, depois, com uma secção de metais quente e tropicalíssima, o pé só pode fugir mesmo para uma pista de dança ideal e imaginária - aquela em que todos os sons do planeta teriam lugar. (8/10)

Híbrido 6: Depois de dois concertos fabulosos em Portugal - na Tenda Raízes do Rock In Rio-Lisboa e em Aveiro -, os espanhóis Amparanoia, liderados pela vocalista e compositora Amparo Sanchez, tem agora o «best of» «Rebeldia Con Alegria» (EMI) disponível em Portugal. E é um disco muito, mas muito bom, apesar de não tanto quanto os espectáculos. Apesar de não serem de Barcelona, os Amparanoia inscrevem-se na escola de Manu Chao, Ojos de Brujo, Macaco, etc, incorporando elementos ocidentais (funk, hip-hop, jazz...), de muitos outros lugares (Caraíbas, Balcãs, Marrocos, Brasil, México, etc, etc.) e letras - em várias línguas - feministas e politicamente activas. Um momento brilhante, entre outros: «Don't Leave Me Now», com os Calexico. (8/10)

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