16 julho, 2006

Toumani Diabaté - Antes de Sines


Antecipando a vinda de Toumani Diabaté ao Festival de Músicas do Mundo de Sines (dia 27 de Julho), aqui ficam dois textos publicados no BLITZ há alguns meses a propósito de «Boulevard de L’Independance», o álbum gravado com o super-grupo mandinga Symmetric Orchestra: a crítica ao álbum (publicada em Março) e uma entrevista com Diabaté, o «deus da kora», segundo as sábias palavras de Ali Farka Touré (publicada em Novembro).

TOUMANI DIABATÉ’S SYMMETRIC ORCHESTRA
«BOULEVARD DE L’INDEPENDANCE»

World Circuit/Megamúsica

O génio da kora em diálogo com o funk, o jazz, os blues... Brilhante.

Ouvir a kora (harpa mandinga) de Toumani Diabaté é, muitas vezes, ouvir um eco distante de uma guitarra portuguesa, não só pelo espectro tímbrico que é estranhamente comum aos dois instrumentos mas também pelo rol de emoções que facilmente saltam das suas cordas: alegria e tristeza, saudade e paixão, fúria e uma beleza absoluta. E Toumani está para a kora como Carlos Paredes para a guitarra portuguesa, Paco de Lucia para a guitarra de flamenco, Ravi Shankar para a sitar ou Jimi Hendrix para a guitarra eléctrica. Depois do extraordinário «In The Heart of The Moon» (a meias com o recentemente falecido Ali Farka Touré), «Boulevard de L’Independance» traz Toumani com a sua Symmetric Orchestra (onde convivem vozes masculinas e femininas, instrumentos eléctricos, saxofones, balafons e djembés) para um festim luxuoso de música mandinga com funk, soul, blues ou música cubana. Lindo! (8/10)

TOUMANI DIABATÉ
O DEUS DA KORA

Este ano já esteve cá como convidado especial de Ali Farka Touré - que lhe chama «o deus da kora» - e esta semana está de volta para dois concertos integrados no festival Sons em Trânsito [Nota: concertos que aconteceram com a Symmetric Orchestra mas sem a presença de Toumani, impedido de se deslocar a Portugal devido a doença]. Entrevista com o maliano Toumani Diabaté, mestre da harpa mandinga, também a prometer para breve um álbum com a Symmetric Orchestra.

Qual é, actualmente, a sua relação com a kora? Toca todos os dias?

Sim, toco todos os dias, muitas horas por dia. Passo mais horas a tocar kora do que a fazer outra coisa qualquer, incluindo dormir. Aprendi a tocar kora em criança com o meu pai e os mais velhos [nota: Toumani nasceu numa família de griots e o seu grande mestre foi seu pai, Sidiki Diabaté, que - à semelhança de Artur Paredes, pai de Carlos Paredes, com a guitarra portuguesa - autonomizou a kora como instrumento solista e não apenas como acompanhamento de cantores] e toquei kora a vida inteira. Ela faz parte da minha vida. É a minha vida.

Como é que vê o seu instrumento? Como uma mulher, um amigo, uma arma, uma extensão do seu corpo?

É um pouco disso tudo. E é até como um computador...

Um computador?!?

Sim, a kora é um instrumento com centenas, talvez milhares, de anos e ao longo dos séculos foi acumulando as memórias dos povos da zona mandinga de África. E é também um meio de comunicação, de transmissão de histórias. É melhor que um computador...

Acha então que não são necessárias palavras para contar histórias...

Sim, claro. Isso acontece quando se juntam alguns tocadores de kora. Nós falamos uns com os outros só tocando os nossos instrumentos e sabemos o que estamos a dizer. E, no Mali, eu toco a kora em vários sítios e toda a gente percebe qual é a história que estou a contar, sem palavras. A kora tem uma função social, religiosa...

Há alguns anos, gravou um álbum com Taj Mahal, um guitarrista americano de blues. Também acredita que os blues nasceram, há centenas de anos, na zona mandinga de África?

Sim, sem dúvida nenhuma. Nós aqui não lhes chamamos blues, claro, porque é a nossa música. Os africanos que foram levados para os Estados Unidos como escravos esqueceram, ao longo das gerações, os seus povos de origem, as suas línguas originais, mas conservaram a cultura. E os blues nasceram dessa memória...

Este ano, foi editado um álbum de uma parceria sua com Ali Farka Touré, In the Heart of the Moon. Foi importante essa colaboração?

Sim. Foi excelente juntar os dois estilos. O álbum demorou só algumas horas a gravar e foi um momento excelente, quase mágico. Aprendi muito com ele. Nós somos de zonas diferentes do Mali, mas compreendemo-nos e isso é o mais importante. Adoro esse álbum!

Lembra-se do concerto em Lisboa, com Ali Farka Touré, este Verão?

Oh sim! Foi o nosso melhor concerto da digressão! Foi muito bom e a audiência era maravilhosa. Gostei muito...

Está para breve a edição de um álbum seu com a Symmetric Orchestra. Como é que começou este grupo?

Esse grupo já existe há muitos anos. Editámos um álbum em 1991. A ideia da Symmetric Orchestra é «reconstruir» o Império Mandinga, em música e cultura, tal como existiu há centenas de anos, antes da colonização europeia. Na Symmetric Orchestra há músicos e cantores do Mali, Senegal, Guiné-Conakry, Gâmbia, isto é, os países actuais que, antes, estavam reunidos no Império Mandinga.

Já ouvi uma cópia incompleta do álbum e, para além da música mandinga, há muito jazz, blues, música cubana...

Porque está tudo ligado. A música cubana, por exemplo, também tem muitos elementos da nossa música. As raízes são as mesmas...

O que é que preparou para os concertos em Portugal?

Vou apresentar temas deste álbum da Symmetric Orchestra e também outros, de outros discos meus...

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