24 julho, 2006

Zeca Baleiro - Baladas Bem Embaladas


Estou quase de saída para Porto Côvo e Sines. Hoje à noite há estreia absoluta da dupla de DJs 2Mé & Prince Hip (é «private joke» ou já não tão «private» quanto isso)e o resto da semana é para usufruir do resto do festival, mesmo (ver posts relativos ao FMM lá mais em baixo, sff)... E, na semana seguinte, ainda sem certezas, sou capaz de ir ao Andanças (ver post sobre este festival também lá mais em baixo, sff, bis...). Isto quer dizer que este blog vai estar ao abandono durante uma semana (ou duas). Antes disso, deixo aqui a entrevista com o brasileiro Zeca Baleiro, publicada no BLITZ em Julho do ano passado e já referida noutro post lá em baixo (este não é preciso ver: é aquele em que se fala da Ruth Marlene). Do disco com as versões de temas portugueses é que ainda não se sabe nada...

ZECA BALEIRO
VÔ EMBALÁ(DA)

Ao quinto álbum, Zeca Baleiro dá-nos «Baladas do Asfalto & Outros Blues». Um álbum que pode ser visto como uma continuação de «Líricas» (o terceiro) e uma, digamos, pausa na loucura habitual. Baleiro de abalada para a balada bem embalada? Sim e não, como ele explica nesta entrevista.

Zeca Baleiro é um excelente conversador. Inteligente, divertido, sempre com a palavra certa na altura exacta. E defende a sua obra - neste caso, o álbum «Baladas do Asfalto & Outros Blues» - não como advogado em causa própria, mas mais como um pai a defender um filho. Um filho que, ainda por cima, tem uma paternidade mais repartida do que é habitual: foi feito a convite de dois produtores (Walter Costa e Dunga); algumas letras não são de Baleiro... Para o futuro próximo está previsto um álbum com versões de temas de artistas portugueses.

Pode dizer-se que, à semelhança de «Líricas», «Baladas do Asfalto & Outros Blues» é mais um disco de poesia do que de música?

Não; embora esses dois discos sejam primos. A edição de «Líricas» deveu-se à minha necessidade de meter um travão na grande exposição que estava a ter devido ao sucesso do «Vô Imbolá». Andava um pouco saturado. E o «Líricas» foi criticado porque não era o disco que a editora e o público esperavam de mim. Mas o «Líricas» acabou também por ser um êxito. E isso deu-me uma grande segurança no sentido de fazer o que eu quisesse. Como foi o caso deste novo álbum, que tem muito pouco a ver com o anterior [«Pet Shop Mundo Cão»]. E não acho que seja só um disco de poesia: há muita música ali.

O «Líricas» era um álbum muito descarnado musicalmente. Já este novo tem arranjos luxuosos, muitos instrumentos, secção de cordas, etc...

Engana bem!! (risos) Este foi um disco de orçamento médio, mais para o baixo do que para o alto. Tem coros em dois temas e um quarteto de cordas em quatro canções. Acho que é igualmente despojado, como o «Líricas». O que muda é que é um disco de banda, enquanto o outro tinha canções só com piano e voz, violão e voz. Aqui há bateria, baixo, guitarras. Mas a alma é semelhante à do «Líricas». Os blues do título têm que ver com esses sentimentos, essa alma, que percorre todo o disco. Mais do que com o género musical blues.

Temos falado do «Líricas»... E o disco, mais recente, de colaboração com Raimundo Fagner? Teve alguma coisa a ver com a direcção estética de «Baladas...»?

Não. Esse era outro disco simples e despojado, que apareceu como um projecto entre muitos outros que eu tinha e ainda tenho em mente. Quero ainda fazer um disco só de samba, outro de reggae, calipso e carimbó - géneros muito populares no Maranhão [região de onde Zeca é originário] - e ainda um disco só com versões de canções de autores portugueses.

Já se pode saber alguma coisa desse projecto?

Já. Eu falei dele ao Marco Mazola [da editora brasileira MZA] e ao José Serrão [da Som Livre em Portugal] e eles ficaram muito entusiasmados com a ideia. Penso cantar coisas de Sérgio Godinho [com quem Baleiro colaborou no «Irmão do Meio»], Jorge Palma [de quem Baleiro faz uma versão, «Frágil», na faixa-bónus da edição portuguesa de «Baladas...»], Rui Veloso, Zeca Afonso, Fausto, Vitorino, Pedro Abrunhosa e Armando Teixeira, entre outros. Geralmente, os brasileiros que cantam canções portuguesas, cantam fados, que são lindos, mas a minha ideia é diferente. Penso editar o álbum em Portugal e no Brasil.

É curioso porque, enquanto em Portugal há um grande preconceito de alguns artistas em relação a alguns cantores mais populares, no Brasil há uma grande cumplicidade entre a comunidade artística. Em «Baladas...» há uma canção, «Muzak», dedicada a Roberto Carlos...

Sim, o Roberto Carlos é muito respeitado. Mas também há bastante preconceito contra alguns cantores populares. Por exemplo, o Martinho da Vila, que é um génio popular, é menos respeitado do que deveria. Há o «complexo do vira-lata» - querer sempre aspirar a ser europeu e, mais recentemente, a ser norte-americano. Participei num álbum de tributo a Odair José, um grande compositor da música considerada brega - que, para vocês, é o pimba - nos anos 70. Ele foi a vanguarda do brega (risos)... Eu gosto de uma cantora portuguesa que é a Ruth Marlene.

Ruth Marlene?!?

Sim! Porque não? Ela é minha fã; foi ver um concerto meu e estivemos a conversar depois.

Voltando ao novo álbum: como é que surgiu a ideia deste «formato» banda?

Este álbum veio até mim. O Walter Costa - que é um génio da produção e já tinha trabalhado comigo no «Vô Imbolá» - e o Dunga, baixista que tocou com muita gente, fizeram-me um desafio: «você manda-nos umas cassetes com canções; ficamos trabalhando aqui com um grupo, sem compromisso, e se ficar bom, avançamos para o disco...». Foi uma proposta tentadora! (risos) Eu mandei as maquetas, só voz e violão, e eles foram trabalhando sem pressas. Eles produziram o álbum de uma maneira que eu jamais faria: o disco tem um som radiofónico, FM, despudoradamente radiofónico! Nunca vi as minhas canções embaladas assim...

O álbum poderia, então, chamar-se «Vô Embalá»...

Sim, podia! (risos) E eu adorei essa produção. Apesar de poder haver um certo pudor e poder haver reacções como «ah, se vendeu!! quer fazer sucesso!!». É um álbum para ouvir na estrada...

Por outro lado, este álbum está cheio de instrumentos «verdadeiros». Quase não há electrónica...

Sim, quase nada. É um disco muito, como se diz hoje, orgânico. E foi pegar nos instrumentos, ligar o gravador e vamos lá... Há canções gravadas ao primeiro «take»... Se calhar, se fosse eu a produzir, editaria, reeditaria, samplava... Mas a natureza do disco não era essa: tem muito calor.

No novo álbum também há menos presença de géneros brasileiros como o forró, o baião ou o samba e uma presença constante de géneros norte-americanos...

Sim, originalmente norte-americanos mas já adoptados em todo o mundo há muito tempo. Em Espanha temos o Joaquín Sabina, em Portugal temos o Jorge Palma, etc, etc... E eu tenho um amor sincero por esses géneros norte-americanos. As canções que eu mandei para os produtores já tinham essa carga. Os produtores podem é ter acentuado esse lado. E não, não há referências à música brasileira. Mas isso foi propositado. Foi uma questão de foco. Eu estou a fechar o universo dos discos - é por isso que vou fazer um só com variações de samba - porque estou cansado de discos, como o «Vô Imbolá», em que há rap com embolada, samba de roda, baladas. Cansei disso.

Outra diferença: no novo álbum os poemas são mais acessíveis, menos experimentais, com menos jogos de palavras...

É verdade que este disco tem uma poética, uma métrica, mais tradicional, talvez porque as canções se prestam mais a isso. Ficaria um pouco deslocado fazer uma letra muito abstracta em canções com estas características. Mas não foi intencional. E neste disco também há letras de outras pessoas. Do Murilo Mendes, por exemplo, que é um poeta fantástico.

Há uma referência aos Mutantes neste disco. O tropicalismo continua a ser uma fonte de inspiração?

O tropicalismo está muito entranhado em nós, mas não nos cabe ficar repetindo-o. Uma vez disse, provocatoriamente, que o brasileiro já é por natureza tropicalista. Quem inventou o tropicalismo não foram Caetano, Gil, Tom Zé, Mutantes, foi a Chiquinha Gonzaga [maestrina cuja carreira decorreu no final do séc. XIX e início do séc. XX e que juntava música dos salões europeus com música tradicional brasileira]. O pensamento tropicalista já estava nela, assim como já estava no Heitor Villa-Lobos quando este fazia digressões com o Pixinguinha. O tropicalismo está naturalmente enraizado nos brasileiros.

2 comentários:

Anónimo disse...

gosto muito do zeca baleeiro
:)

António Pires disse...

Cândida:

Vejo um traço de ligação entre os seus comentários: depois dos piratas, o zeca «baleeiro». Presumo que goste de barcos, portanto...