22 agosto, 2006

Cacharolete de Discos (Parte 127)


E mais uma selecção de críticas a álbuns saídos há alguns meses, publicadas originalmente no BLITZ. Desta vez, Salif Keita, SambaSunda (na foto), Susheela Raman, DJ Marlboro (e o baile funk das favelas brasileiras) e uma colectânea comemorativa da importantíssima editora africana Syllart.



SALIF KEITA
«M’BEMBA»
Universal

Cantor maliano rodeado de vozes e cordas que o levam ao céu.

O novo álbum de Salif Keita continua a sua viagem de regresso às raízes da música mandinga – tendência já registada no álbum «Moffou» (2002) –, depois de ter flirtado durante muito tempo com géneros, digamos, ocidentais (o jazz, o funk...). Em «M’Bemba» ainda há alguns traços dessa «ocidentalização» - como no segundo tema, o lindíssimo «Laban», com um baixo eléctrico suavemente funk – mas é maioritariamente ocupado por música que só pode vir dali, do Mali e das zonas limítrofes. Rodeado por uma banda fabulosa (onde se inclui Kante Manfila na guitarra acústica) e por alguns convidados de luxo como o cantor de reggae Buju Banton (num tema fortíssimo, «Ladji», que faz naturalmente a ponte entre o Mali e a Jamaica) ou Toumani Diabaté (em kora no maravilhoso tema-título), Keita assina um álbum que é uma festa de vozes (a dele e de coros femininos), cordas (muitas) e percussões. (8/10)

SAMBASUNDA
«RAHWANA’S CRY»
Network/Megamúsica

Da Indonésia conhecemos, geralmente, os gamelões (orquestras de xilofones de metal ou de bambu, gongos e outras percussões), a música de Bali (o «kecak» ou «canto dos macacos») e pouco mais. É, por isso, uma surpresa grande depararmo-nos com um álbum como «Rahwana’s Cry». Oriundos do oeste da ilha de Java, os SambaSunda são uma imensa trupe (cerca de quinze elementos) liderada por Ismet Ruchimat, compositor de boa parte dos temas do grupo. E, sem nunca recorrer a instrumentos «modernos» (guitarras eléctricas, sintetizadores...), conseguem criar uma música viva, alegre e de uma modernidade absoluta, cheia de groove e transe e melodias lindíssimas, misturando vários géneros do arquipélago e recorrendo quase sempre a instrumentos locais (o violino e o djembé são excepções). Ah, e têm também uma excelente voz feminina (Rita Tila). (8/10)

VÁRIOS
«20 YEARS HISTORY - THE VERY BEST OF SYLLART PRODUCTIONS»
Syllart/Sono/Megamúsica

O produtor e editor Ibrahima Sylla é uma lenda da música africana. Senegalês de origem nobre, falante de várias línguas do seu país e dos países limítrofes (mandinga, bambara, wolof, foula...), irmão e primo-direito de 63 rapazes e raparigas, estudante de economeia e gestão em Paris, Sylla tinha a cabeça bem aberta - quando começa a trabalhar, durante os anos 70, no estúdio Golden Baobab, com a Orchestra Baobab ou a Étoile de Dakar (de Youssou N'Dour). A partir daí, produz, edita dezenas de artistas africanos e inventa, no princípio dos anos 80, o super-grupo Africando. A sua Syllart Productions - aqui representada numa caixa com 5 discos - agrupa muitos dos maiores artistas do Senegal, Mali, Congo, vai às raízes da música africana e atira-se ao futuro, em fusões com muitas outras músicas (o último CD inclui reggae, funk, hip-hop africanos...). Um documento incontornável da música africana. (9/10)

SUSHEELA RAMAN
«MUSIC FOR CROCODILES»
Narada/EMI

Cantora de origem indiana grava pela primeira vez com indianos... para fazer um disco ocidental.

Ao terceiro álbum, a cantora inglesa de origem indiana Susheela Raman dá o primeiro semi-passo em falso da sua carreira. Não que o álbum seja mau – não é! – mas porque é um álbum nitidamente desequilibrado. Tem uma primeira parte cantada em inglês, com ambientes entre Sade e Dido e com tablas e sitar a apimentarem o conjunto. É boa pop com caril mas pouco mais. As coisas melhoram bastante a meio do álbum (curiosamente com um tema jazzy-exotica-fumegante em inglês, «Meanwhile», a cheirar a Cassandra Wilson) antes de se atirar, e bem, a canções tradicionais do sul da Índia (e até a uma bonita balada em francês), sabiamente transpostas para a modernidade. A fechar, «Leela» é novamente cantado em inglês mas é uma chave perfeita para um álbum imperfeito. (6/10)

DJ MARLBORO
«FAVELA FUNK»
Different World/Musicactiva

O baile funk (também conhecido como funk carioca) nasceu nas favelas do Rio de Janeiro, ainda nos anos 70, então com sound-systems ao jeito jamaicano que debitavam soul, funk e disco-sound em festas comunitárias. Nos últimos anos, no entanto, o estilo conhecido como baile funk deve quase tudo aos ritmos e electrónicas sacados ao Miami Bass, mas com letras «rappadas» em português e um calor que só poderia sair do Brasil. E é um movimento imparável nesse país – à semelhança do que acontece com o reggaeton em Porto Rico, o kuduro em Angola ou o kwaito na África do Sul -, onde desceu da favela para as zonas de classe média do Rio de Janeiro, alastrou a outros pontos do Brasil («o nosso som é de raiz, saiu lá da favela e se espalhou pelo país», diz MC Gallo, em «Funk das Favelas»), e é dançado em festas frequentadas por milhares de pessoas, negras e brancas, ricas e pobres, nos bairros-de-lata ou nas discotecas cariocas ou paulistas da moda. E de que é feito o baile funk? Tal como «Favela Funk», colectânea escolhida por DJ Marlboro (um dos pioneiros e DJs mais respeitados do movimento) elucida bastante bem, é feito de electro, hip-hop, tecno, house, samba, música do nordeste do Brasil, dancehall jamaicano, disco-sound, ritmos africanos e samples variados. Aqui vale tudo, a começar por letras de consciencialização política e social («eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci») e a acabar em letras de forte carga erótica («a minha bochecha está ardendo», diz a Vanessinha do Picatchu, «se eu descer mais um pouquinho você vai ficar querendo...», responde o Krrasco... e não, não é das bochechas mais óbvias que eles falam) ou em descrições das festas ou da forma de dançar o género («bate o pé... bate o bumbum...»). A colectânea integra nomes (as designações são divertidíssimas) como Cidinho e Doca, Força do Rap, Os Tchutchukos, Bonde do Tigrão, Os Krrascos & Vanessinha do Picatchu, Ganga Jump ou Jah Mai. Para ouvir (e, claro, dançar) sem preconceitos de espécie nenhuma... (7/10)

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