09 agosto, 2006

(Outro) Cacharolete de Discos



E mais uma recuperação de algumas críticas de discos: uma colectânea dos Dropkick Murphys (a que interessa mais porque a primeira da série - «Singles Collection Volume 1» - é de temas mais facilmente encontráveis em álbum do que estes), DJ Dolores (na foto), Daby Balde e uma compilação de música balcânica.


DROPKICK MURPHYS
«SINGLES COLLECTION VOLUME 2 - 1998-2004»
Hellcat Records/Edel

O canal por cabo Mezzo apresentou a semana passada um excelente documentário sobre a música de intervenção irlandesa - que tem as suas raízes nas canções que surgiram durante a Grande Fome do séc. XIX e, mais recentemente, no reforço da ocupação militar inglesa no final dos anos 60 do séc.XX. São canções ancoradas na tradição irlandesa e com uma forte carga lírica anti-Inglaterra, pró-independência da Irlanda e de apoio à resistência e, muitas vezes, ao IRA (um dos hinos apresentados é de Bobby Sands). O documentário passa depois para o lado de lá do Atlântico, onde a comunidade imigrante de origem irlandesa nos Estados Unidos representa 40 milhões de pessoas, grande parte dela ainda com um enorme grau de ligação à terra-mãe (as paradas do dia de S.Patrício com cartazes que dizem «England out of Ireland»; um casal de rappers que misturam hip-hop com música irlandesa...).

Não sei se o documentário falava dos Dropkick Murphys (não o vi todo), mas se não falava, devia fazê-lo. Originários de Boston, estes americanos quase todos de origem irlandesa misturam muitas vezes a fúria do punk (nas vertentes oi e hardcore) com gaitas-de-foles, tin whistles, bandolins e letras de luta e contestação, mantendo a alma verde sobre um corpo de betão - e onde a influência dos Pogues (Shane MacGowan chegou a colaborar com eles) é evidente. Em «Singles Collection Volume 2 - 1998-2004», a banda dá-nos lados-B, versões e mais um conjunto de raridades (de singles, splits, colectâneas...), óptimo para juntar aos álbuns que já temos. Ouvir, por exemplo, «It's a Long Way To The Top (If you wanna rock'n'roll)», dos AC/DC, com uma gaita-de-foles a serpentear lá pelo meio é uma delícia. Mas há mais: vários originais e versões dos Creedence Clearwater Revival, The Misfits, Danzig ou Motorhead. Bem bom. (7/10)

DJ DOLORES
«APARELHAGEM»
Ziriguiboom/Crammed/Megamúsica

Teoria: E se todas as músicas fossem apenas uma e tivessem todas uma mesma raiz, perdida algures perto do Lago Vitória, no momento em que Lucy, a Australopithecus Afarensis, se encontrou com o Ardipithecus Ramidus e trocaram canções guturais, alguns ritmos percutidos num tronco e dançaram os dois?... E se as fronteiras de géneros e estilos não tivessem importância nenhuma mas tivessem todos a mesma importância relativa entre si? E se, coisa rara, muitas e desvairadas e diferentes músicas - às dezenas, sem vergonha e sem preconceitos -, se encontrassem num único disco?

Prática: «Aparelhagem», o novo projecto do brasileiro DJ Dolores e designação que também dá título ao novo álbum, sucedendo à Orquestra Santa Massa, mostra o DJ e compositor novamente à frente de uma aventura global que - com coerência, elevadíssimo bom-gosto e muito saber (e aqui está a grande mais-valia de DJ Dolores em comparação com muitos outros) -, funde músicas tradicionais e/ou populares brasileiras (frevo, baião, forró, maracatú, ciranda, emboladas, música brega, bossa-nova, tropicalismo, samba...) com formas exteriores: jazz, funk, drum'n'bass, rock, hip-hop, surf music, dub, reggae, electrónica noisy e experimental e até a música klezmer (Frank London, o extraordinário trompetista dos Klezmatics, participa nalguns temas). E é sempre, sempre, uma música para dançar até cair, sem pudores nem papas na língua - a mensagem política está lá, quando se quiser escutá-la -, através das palavras cantadas por Isaar, a vocalista da «Aparelhagem», ou ditas por Dolores nalguns interlúdios. (9/10)

VÁRIOS
«BALKAN GYPSIES - THE ROUGH GUIDE»
World Music Network/Megamúsica

A música cigana dos países do Leste da Europa foi, durante séculos, um segredo bem guardado (por contingências históricas, geográficas, políticas...). Mas nos últimos 20 anos a sua música está, cada vez mais, em todo o mundo: nas lojas de discos, em festivais, em filmes, na cabeça de muita gente. «The Rough Guide To The Music of Balkan Gypsies» é mais uma boa amostra que pode abrir as portas desta música riquíssima a quem não a conhece: da festa e alegria dos metais da Mahala Rai Banda, Boban Markovic Orkestar e Fanfare Ciocarlia às vozes cruzadas com violinos e acordeões dos Taraf de Haidouks, do diálogo de voz com o clarinete de Ivo Papapsov e o saxofone de Yuri Yunakov ao jazz-klezmer de Nikolae Simion, da espantosa voz da diva Esma Redzepova a extensões «óbvias» à Grécia, Albânia e Turquia. (7/10)

DABY BALDE
«INTRODUCING...»
World Music Network/Megamúsica

Cantor e guitarrista senegalês mistura koras com violino e acordeão. E dá-se bem.

Originário de Casamance, região do sul do Senegal paredes-meias com a Guiné-Bissau, a Guiné e a Gâmbia, o cantor e guitarrista Daby Balde apresenta-se internacionalmente com este álbum, «Introducing... Daby Balde», um disco aberto, alegre, vivo, em que Balde faz conviver koras e percussões com a sua voz e guitarra, coros femininos e alguns instrumentos menos habituais na música africana como o violino ou o acordeão. Instrumentos que aqui dão uma riqueza e variedade de timbres fundamental para a luminosidade desta música cantada por Daby em fula, mandinga, wolof e francês. O segundo tema, «Heli», tem um início igual ao do «Fadinho Simples» (António Chaínho e Marta Dias). Há, lá pelo meio, um blues-flamenco fabuloso, «Waino Blues». E há, sempre, música muito boa. (8/10)

Sem comentários: