15 setembro, 2006

Música Cigana dos Balcãs - Novos Caminhos


A Música Cigana dos países do leste europeu é um alfobre riquíssimo de ritmos, melodias, orquestras de metais em alta velocidade, alguns violinos que mais parecem metralhadoras sónicas, vozes dulcíssimas ou rudes e vindas do fundo dos tempos. E uma história, antiga, que só há poucas décadas começou a ter visibilidade fora das fronteiras (tantos anos fechadas) da Roménia, Hungria ou dos novos países que faziam parte da Jugoslávia. Nos últimos anos, esta música antiga começou a fundir-se, naturalmente, com outras músicas, exteriores, estrangeiras, modernas. Aqui deixo a crítica a três álbuns recentes de alguns dos fusionistas mais radicais que têm como raiz a música cigana do Leste: KAL, Gogol Bordello (na foto) e Shukar Collective. E isto numa altura em que também já andam por aí um álbum do grupo inglês de música de dança Basement Jaxx, «Crazy Itch Radio», que também vai lá beber inspiração e o segundo volume do álbum de remisturas «Electric Gypsyland».


KAL
«KAL»
Asphalt Tango/Megamúsica

Originários da Sérvia, os Kal são liderados pelo cantor e guitarrista cigano Dragan Ristic, cuja visão musical tanto lhe permite mergulhar na tradição genuína da música romani como experimentar outros territórios como o drum'n'bass, o jazz, ska, klezmer, música turca ou o hip-hop, todos presentes em «Kal» em doses pequenas e equilibradas, especiarias de exotismo e/ou modernidade que nunca estragam, antes sublinham, o carácter autêntico e antigo desta música. Este primeiro álbum do grupo com difusão internacional foi produzido por Mike Nielsen (Underworld, Jamiroquai, Natacha Atlas...), que soube - na mesma linha - balancear os dois lados do som Kal - a tradição e o futuro. Em «Kal» há violinos em voo picado, um acordeão que navega, por vezes, em diracção à Argentina, uma voz que tanto cavalga a tradição como se atira a estilizações de crooner ou de jazz, e vários temas fantásticos como «Boro Boro» (este com uma bonita voz feminina), o alegre e divertido instrumental «Mozzarella» ou o Piazzolla-meets-Havai-music-in-Belgrade «Gurbetski Tango». (9/10)


SHUKAR COLLECTIVE
«URBAN GYPSY»
Riverboat Records/World Music Network/Megamúsica

Menos interessante do que o álbum homónimo dos Kal, o álbum «Urban Gypsy» dos Shukar Collective perde-se demasiado na repetição da fórmula em que esta banda da Roménia embarcou há alguns anos: a interpretação de antigas canções ursari (dos ciganos que exibiam ursos amestrados nas feiras romenas, prática violenta entretanto caída em desuso mas ainda existente em alguns países, tal como o grupo refere no livreto), com uma base electrónica, jazzy e experimental. Andam por aqui ritmos house, mid-tempo e drum'n'bass, algum dub, algum industrial e temas mais ambentiais, à mistura com as canções dos ursari, cantos próximos do konnokol indiano, daraboukas e colheres percutidas. E, se o resultado disto tudo, durante as primeiras canções do álbum, impressiona pela vivacidade e até coerência interna, o agradável efeito de surpresa vai desaparecendo à medida que o álbum vai avançando para a sua conclusão e se vai notando alguma repetição de processos. Fazendo justiça aos Shukar Collective, a sua música nunca descamba para o lado azeiteiro, mas, paradoxalmente, às vezes quase que apetecia que descambasse, para nos divertirmos mais um bocadinho. (6/10)


GOGOL BORDELLO
«GYPSY PUNKS»
SideOneDummy

Diversão é coisa que não falta, bem pelo contrário, nos Gogol Bordello. Banda de ucranianos imigrados em Nova Iorque (não são balcânicos mas a música que fazem é lá que vai buscar a essência), liderada por uma espécie de Shane MacGowan tresloucado de nome Eugene Hutz, os Gogol Bordello são qualquer coisa como os Pogues em versão cigana, os Clash armados em surfistas prateados a deslizar a 300 à hora sobre o Muro de Berlim, Manu Chao a voar sobre a música de todo o antigo Bloco de Leste em vez de o fazer sobre os países da América Latina. Nos Gogol Bordello há skazadas, punkalhadas, surfbillyzadas, metaladas, espaço para o rap e para algumas frases em espanhol. Sexo, bebedeiras, revolução, a condição dos imigrantes. Palavras de ordem em inglês e ucraniano. Gritos oi em luta com violinos supersónicos, baladas assassinas sobre acordeões afogados em vodka, folias e tragédias variadas. E «Gypsy Punks» é um álbum quase sempre muito bom, apesar de se deixar ir abaixo um bocadinho nos últimos temas (à excepção do extraordinário «Underdog World Strike»). Ah, só um pormenor: a produção é de Steve Albini (pois, o produtor de álbuns dos Nirvana, Sonic Youth, etc, etc...). (7/10)

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