30 março, 2007

Cromos Raízes e Antenas XV


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XV.1 - Yma Sumac



Muitos anos antes da designação «world music» existir, uma forma musical que ia a várias músicas étnicas buscar a sua inspiração (mesmo que adulterando-as e, muitas vezes, caricaturando-as) era conhecida como «exotica». Desse género, corrente nos anos 50 e 60 do séc. XX, destacaram-se os nomes de Martin Denny, Les Baxter, Esquivel e a extraordinária cantora Yma Sumac. Nascida a 10 de Setembro de 1922, em Ichocán, no Peru (se bem que nem a data nem o local de nascimento estejam confirmados) e falecida a 1 de Novembro de 2008, Yma Sumac (Zoila Augusta Emperatríz Chavarri del Castillo de verdadeiro nome, alegadamente uma princesa inca descendente de Atahualpa) foi uma vedeta internacional da música «exotica» nos anos 50, muito à custa da sua estranha, vibrante e hiper-maleável voz (que podia abranger cinco oitavas!), dando a conhecer ao mundo muita música sul-americana.


Cromo XV.2 - Paco de Lucia



Filho de uma portuguesa (Lúcia - e daí o nome artístico Paco... de Lucia), o genial guitarrista Paco de Lucia nasceu em Algeciras, Espanha, a 21 de Dezembro de 1947. Músico, compositor, maestro, arranjador, Paco de Lucia é um dos nomes maiores do flamenco mas nunca se fechando neste género, antes abrindo as portas a colaborações com músicos de jazz (como nos concertos e discos com John McLaughlin e Al DiMeola) ou em incursões pela música erudita como na sua maravilhosa interpretação do «Concierto de Aranjuez», de Joaquín Rodrigo, com uma orquestra clássica. Francisco Sánchez Gómez, de seu verdadeiro nome, nasceu numa família dedicada à música (o pai, Antonio Sánchez, era guitarrista e dois dos seus irmãos enveredaram também pela carreira musical) e, juntamente com o cantor Camarón de la Isla (com quem gravou dez álbuns), contribuiu decisivamente para a renovação do flamenco.


Cromo XV.3 - Gamelão



O gamelão é uma orquestra essencialmente composta por instrumentos de percussão que tem a sua origem nas ilhas da Indonésia (principalmente Java, Bali, Madura e Lombok). É composta por metalofones, xilofones, tambores e gongos, embora também possa incluir flautas de bambu, instrumentos de cordas e vozes. Semelhantes a orquestras (e aqui refira-se que «gamelão» é o nome do conjunto de instrumentos e não o dos seus tocadores ou de qualquer instrumento) existentes noutros países como as Filipinas ou Malásia, os gamelões indonésios destacam-se pela sua variedade - cada orquestra tem uma formação própria e cada uma esforça-se por ser diferente das outras - sendo interessante notar que algumas das orquestras contêm essencialmente percussões feitas em metal e outras percussões feitas em bambu. A sua influência na música ocidental estende-se desde Claude Débussy (que teve contacto com o gamelão na Expo de Paris, em 1900) a compositores actuais de música minimal-repetitiva.


Cromo XV.4 - DobaCaracol



Um dos projectos mais interessantes, divertidos e criativos a emergir do milagroso cadinho musical que é a região (nação?) canadiana do Quebeque, as DobaCaracol são um grupo formado em 1998, em Montreal, por Doriane Fabreg (Doba) e Carole Facal (Caracol) depois de uma «rave party» selvagem. Cantoras e percussionistas, Doriane e Carole actuaram durante cinco anos como um duo antes de juntar um grupo de quatro músicos - Maxime Lepage, Mohammed Coulibaly, Martin Lizotte e Maxime Audet-Halde - que com elas desenvolveu um estilo que mete na mistura funk, soul, rock, reggae, música africana, brasileira e latino-americana. Tendo actuado em variadíssimos pontos do globo, as DobaCaracol editaram até agora os álbuns «Le Calme Son» (2001) e o excelente «Soley» (2004), este último produzido por François Lalonde (Lhasa, Jean Leloup).

29 março, 2007

«Coimbra» - Uma Colectânea Histórica



Saiu em 2004 mas nunca é tarde para se falar dela: a magnífica colectânea «Coimbra», que mostra como esta canção portuguesa foi interpretada (com este nome ou sob as suas designações em francês e inglês, «Avril au Portugal» ou «April In Portugal») de formas tão diferentes por tanta gente diferente - de Amália Rodrigues a Louis Armstrong (na foto), de Caetano Veloso a Bing Crosby -, interpretações escolhidas entre as cerca de 200 versões da canção encontradas por José Moças, da Tradisom. A crítica que se segue foi publicada originalmente no BLITZ em Junho de 2004.


VÁRIOS
«COIMBRA»
Tradisom

Se a norma que impede as mulheres de cantar fado de Coimbra não tivesse sido quebrada por Amália Rodrigues - assim como quebrou muitas outras normas e regras «estabelecidas» - talvez a canção «Coimbra» fosse apenas um belíssimo tema de Raul Ferrão (música) e José Galhardo (letra) interpretado por alguns fadistas portugueses. Mas não, Amália cantava-a nos seus espectáculos e, certo dia, interpretou-a para a cantora francesa Yvette Giraud, que pegou no tema e para ele pediu uma nova letra, em francês, a Jacques Larue, transformando-a assim em «Avril au Portugal». Depois, toda a gente começou a gravar a canção (em português, francês, inglês, italiano...)... e é de algumas (24) dessas inúmeras versões gravadas ao longo dos últimos cinquenta anos que é feita a colectânea «Coimbra», pensada e organizada por José Miguel Júdice e José Moças. Colectânea abrangente, divertida e universal - dando uma boa ideia de quem se apaixonou por «Coimbra» - aqui estão as versões de Alberto Ribeiro (que a gravou pela primeira vez; para o filme «Capas Negras», em 1947) e de luminárias da música internacional como, entre outros, Louis Armstrong (cuja trompete e voz dão um swing quente e lindíssimo à melodia), Bing Crosby, Amália (que a canta aqui em italiano), Eartha Kit, Caetano Veloso, Chet Atkins, Xavier Cugat, Yvette Giraud, Bert Kaempfert, Perez Prado, Tony Martin e curiosidades como uma steel-band de Trinidad e Tobago ou a versão «camp» de Liberace. Falta só aqui, talvez, a versão de Luís Piçarra que, segundo a «Enciclopédia da Música Ligeira Portuguesa», vendeu mais de um milhão de exemplares do tema (!). (8/10)

28 março, 2007

Carminho - Um Segredo



Numa era de youtubes, myspaces, mp3s de mão em mão e CDs gravados baratinhos, ainda há quem se resguarde do grande público e se guarde para um futuro qualquer. A fadista Carminho (na foto, de Margarida Martins) é um desses casos raros. Assim como rara é a sua voz. Não que o segredo seja absoluto: ganhou vários prémios no circuito fadista, actuava regularmente no restaurante Mesa de Frades - para onde arrastava os seus fãs, já muitos -, vai dar-se a mostrar em «Fados», de Carlos Saura, mas os discos, esses, ficam guardados para mais tarde. Para já, Carminho está algures no Oriente. Esta entrevista - que está por estes dias a aparecer também, numa versão mais curta, na revista alemã «Mini International» dedicada a Lisboa (assim como o meu texto já publicado neste blog dedicado à música africana e brasileira em Lisboa) - foi feita antes da grande viagem.


CARMINHO
O FADO COMO VERDADE

Carminho abre a boca para cantar e sente-se que aquele fado é verdadeiro, vindo do fundo do tempo e do fundo da alma. Ela canta no restaurante Mesa de Frades, antiga capela em Alfama, um dos bairros populares de Lisboa em que o fado terá nascido no Séc. XIX. E, apesar de ter apenas 22 anos, Carminho parece transportar na sua voz - quente, bem timbrada, versátil, levemente rouca - todo o peso de uma antiga tradição. Ainda sem discos gravados - e a poucas semanas de começar uma viagem à volta do mundo inserida em organizações de ajuda humanitária -, Carminho (Carmo Rebelo de Andrade) dar-se-á primeiro a conhecer internacionalmente no filme «Fados», de Carlos Saura. Uma revelação.

O que é que leva uma jovem lisboeta a enveredar por uma forma de arte tão antiga como o fado?

O fado sempre esteve muito presente na minha vida. É uma tradição familiar. A minha mãe, Teresa Siqueira, foi fadista. Se calhar, se isso não tivesse acontecido não teria vindo para o fado. Na minha família sempre se ouviu muito fado, cantava-se o fado, ia-se ver o fado. O fado não é uma música fácil e tive que exercitar o ouvido para o conseguir compreender, o que foi facilitado pelo facto de ter crescida na família em que cresci.

Também tiveste contacto directo com outros fadistas...

Sim, mas não tantos quanto gostaria. Muitos deles conheço-os apenas de discos, não de os ver ao vivo. Porque durante muitos anos estive a viver no Algarve e não estava tanto em contacto directo com o meio do fado... E ia ouvindo a Amália Rodrigues, o Fernando Maurício, a Lucília do Carmo através de discos...

O que é que o fado te transmite em termos emocionais, em termos sentimentais, em termos pessoais?

O fado tem sempre que ser verdadeiro. O fado é feito de poemas musicados e quando cantamos um fado temos que o cantar como se aquela vez fosse a última. E cada fadista vai buscar a si próprio a sua maneira de reviver, outra vez, aquilo que as palavras dos fados transmitem. Da mesma maneira que uma pessoa pode voltar a sentir tristeza quando se lembra de algo triste que lhe aconteceu no passado - e isso já não é real mas volta a ser real -, podemos reviver sentimentos de outras pessoas, as pessoas que escreveram os poemas dos fados, através das nossas experiências pessoais. Não canto poemas de fados que não entenda ou com os quais não me identifico. Fados que não tenham a ver comigo, com a minha vida, até com a minha idade... Só canto fados que consigo compreender, para os quais possa ir buscar recordações, emoções e às vezes coisas abstractas mas que tenham a ver com experiências reais para que os possa cantar de um modo único, pessoal e verdadeiro. E isso as pessoas sentem: quando oiço fado, não sei dizer porquê, mas sei distinguir o fado verdadeiro do falso fado.

Desde há alguns anos, o fado tem tido um ressurgimento fortíssimo, não só principalmente através de uma nova geração de cantoras. Consegues distinguir, entre elas, quem canta esse fado verdadeiro e quem canta o «falso» fado?

Não consigo julgar o fado a que não assisto ao vivo. A verdade do fado vê-se ao vivo e não ouvindo os discos. E há muitas das novas fadistas que nunca vi ao vivo. Mas há muitas outras novas fadistas em que sinto essa verdade - e esta é uma sensação pessoal, pouco objectiva. Acho que o verdadeiro é o que vai ficar. Daqui por uns anos vai-se fazer essa triagem, entre o que é genuíno e verdadeiro, e o que não é. Por exemplo, noutras áreas musicais, nós vemos que tantos anos depois há verdade na música dos Queen ou dos Beatles, bandas que ainda continuamos a ouvir para além das modas, dos «hypes»...

Falaste em Queen e em Beatles. Para além de fado, que música é que ouves?

Para a mim a música é essencial, não consigo viver sem música. E também não consigo ficar muito tempo a ouvir sempre fado. Adoro os Queen, são a minha banda preferida. Mas também gosto de muitos géneros de música diferentes: música cabo-verdiana, tango, música clássica (Vivaldi, Tchaikovsky, Mozart...), gosto de jazz e gosto de tecno - e não só para dançar, para ouvir também - e chill-out...

Imaginas-te um dia a integrar alguns desses géneros musicais no teu fado?

Não, não imagino. O fado tem uma raiz e tem uma tradição. Há muitos géneros de música que não têm nada a defender. Mas o fado tem, porque tem raízes muito antigas, muito próprias. E tem que se ter muito cuidado quando se mexe no fado. Quando se quer lá pôr novas referências, novos instrumentos, para tornar a coisa mais comercial, isso deixa de ser fado. Acho que nunca vou enveredar por aí. O que eu gosto, onde eu me sinto bem, onde eu sei que sou verdadeira a fazer alguma coisa, é no fado tradicional. Talvez um dia, por brincadeira, se me convidarem para cantar nalgum projecto diferente eu aceite, mas aí já não lhe chamaria fado.

Vamos falar de referências tuas dentro do fado. Tens, de certeza, alguns ídolos e influências...

A minha mãe é, sem dúvida, a minha maior referência e influência. E - não lhe chamaria ídolos nem mentores - mas pessoas que me mostraram o que era o fado: Beatriz da Conceição, Maria Teresa de Noronha, Lucília do Carmo, Fernanda Maria e homens como o Fernando Farinha e o Fernando Maurício... A Amália Rodrigues, também.

É curioso teres feito essa pausa antes de teres dito o nome de Amália Rodrigues.

A Amália não foi a minha primeira referência. E não tive contacto directo com ela. A Beatriz da Conceição, sim, foi das pessoas que mais me ensinou o fado. Talvez ainda mais que a minha mãe. A Bia (Beatriz da Conceição) falava comigo, repreendia-me, criticava-me, mostrava-me o que fazer ou não e foi ela que mais me abriu os olhos para o sentido da palavra, a dicção, a maneira como se dizem as palavras e como no fado as palavras são o mais importante: não se pode brincar com as palavras por causa da melodia; as palavras estão primeiro e a melodia vem depois; é a melodia que tem que se adaptar às palavras e não o contrário.

Tu estás a seguir uma tradição antiga no fado que é cantar ao vivo nm local específico, um restaurante, muito perto, quase «em cima», das pessoas que te ouvem, sem amplificação... É importante este contacto tão directo com as outras pessoas?

É muito importante. O fado é, sem dúvida, uma forma musical que deve ser ouvida nestas circunstâncias. Com as pessoas ali ao pé, a mandarem piropos, a fazerem comentários. O fadista também vive muito das pessoas que o ouvem. Ao calor, ao empenho, que se sente do outro lado. Quando se sente que as pessoas sentem o que o fadista está a sentir... Quando se está a cantar para uma parede, num estúdio, é diferente.

Já tiveste convites para gravar discos?

Já, mas recusei. Acabei há pouco tempo o meu curso de Marketing e Publicidade e nem sequer pus a hipótese de gravar um disco. Queria acabar o meu curso e não queria misturar, não queria desviar-me. Entretanto, já percebi que não vou poder fugir muito ao meu destino e que vou fazer qualquer coisa no fado. Não sei se vou ser fadista a 100 por cento do meu tempo. Mas sei que vou fazer qualquer coisa no fado. E gravar um disco não é uma prioridade enquanto disco. Será mais uma muleta para ir a outros sítios, mostrar o meu fado. E só gravarei um disco quando tiver prazer a fazê-lo. Por enquanto não me sinto bem num estúdio. O outro dia estive a gravar para o filme «Fados», de Carlos Saura (nota: realizador espanhol que está agora a fazer um filme sobre o fado, depois de também já ter abordado nos seus filmes o flamenco e o tango), e aquilo ficou uma porcaria. Acho que vamos ter que gravar outra vez. Só vou gravar um disco quando puder dar o meu melhor e ter uma entrega verdadeira num estúdio.

Sei que vais fazer uma longa viagem proximamente...

Sim, vou-me embora em Fevereiro e vou estar integrada em missões de ajuda humanitária na Índia e outros países da Ásia e também vou à América do Sul. Vou estar fora daqui durante um ano. Espero aprender muito com esta viagem e vou voltar, de certeza, uma pessoa diferente...

27 março, 2007

Gaiteiros de Lisboa, José Medeiros, GEFAC - Jornadas de Cultura Popular em Coimbra



As XII Jornadas de Cultura Popular, organizadas pelo GEFAC, decorrem em Coimbra de 13 de Abril a 28 de Maio, segundo informa o rejuvenescido site Crónicas da Terra. As jornadas incluem vários concertos e um fórum de discussão, «A Música Tradicional Portuguesa – Velhos Trilhos, Novos Rumos». Entre os concertos já confirmados contam-se os dos Gaiteiros de Lisboa (13 de Abril, Teatro Académico Gil Vicente, Coimbra), GEFAC (14 de Abril, Teatro Académico Gil Vicente), José Medeiros (na foto) e Mariana Abrunheiro (24 de Abril, Teatro Académico Gil Vicente, Coimbra), Diabo a Sete (4 de Maio, Salão Brazil, Coimbra), Quarto Minguante (11 de Maio, Salão Brazil, Coimbra) e o pianista João Paulo Esteves da Silva com o percussionista Quiné (28 de Maio, Teatro Académico Gil Vicente, Coimbra), estando por confirmar o das Segue-me À Capela previsto para 18 de Maio (Salão Brazil). Dois espectáculos teatrais pelo GEFAC - «A Água Dorme de Noite» (21 de Abril, Teatro-Cine de Pombal) e «Comédia do Verdadeiro Santo António que Livrou seu Pai da Morte em Lisboa» (30 de Abril a 2 de Maio, Teatro da Cerca de São Bernardo, Coimbra) e o fórum de discussão - dias 13 e 14 de Abril, com a presença de Mário Correia, Domingos Morais, Manuel Rocha, Sérgio Godinho, Júlio Pereira, Carlos Guerreiro e Julieta Silva, entre outros - completam o programa dos Encontros. Mais informações aqui.

26 março, 2007

Ibrahim Ferrer, Kékélé e Africando - Entre África e Cuba



A música cubana tem raízes em África. Mas os africanos também sabem, desde há muitas décadas, ir buscar a sua inspiração à música cubana, muitas vezes adaptando-a, naturalmente, à sua própria música (como na rumba congolesa, por exemplo). Aqui fala-se de três álbuns recentes em que a salsa, a rumba, os boleros, a guajira andam de mão em mão entre África e Cuba, com o grande Ibrahim Ferrer (na foto) à cabeça e com os congoleses Kékélé e os «transatlânticos» Africando como acólitos perfeitos.


IBRAHIM FERRER
«MI SUEÑO»
World Circuit Records/Megamúsica

Há um arrepio enorme que nos desce pela espinha quando ouvimos este novo álbum do cantor Ibrahim Ferrer, de tão bonito que ele é. De tão novo e ao mesmo tempo tão antigo, de tão puro e ao mesmo tempo tão sofisticado, de tão bem cantado e tocado e ao mesmo tempo tão sentido. Neste álbum póstumo de Ibrahim Ferrer (falecido em Agosto de 2005), dedicado a um género que era da sua especial predilecção, o bolero, a velha glória da música cubana dada a conhecer pelo projecto Buena Vista Social Club conta com a presença de um maravilhoso pianista, Roberto Fonseca, e de dois músicos do «colectivo» Buena Vista - Orlando «Cachaíto» López (baixo), Manuel Galbán (guitarra) - na sua banda acompanhante e ainda de outros convidados de luxo: os também BVSC Rubén González (piano em «Melodía del Río»), entretanto também já falecido, a cantora Omara Portuondo (no delicioso dueto de «Quizás, Quizás») e Amadito Valdés (timbales em «Alma Libre»). A voz de Ibrahim - e apesar de muitas destas gravações da sua voz serem maquetas e o álbum estar longe de ficar terminado quando ele morreu - está como peixe na água nestas canções de amores e desamores, de traições e fidelidades loucas, quase fados mergulhados em água a ferver e servidos disfarçados de rum borbulhante e muito, muito alcoólico. (9/10)


KÉKÉLÉ
«KINAWANA»
Sterns Music/Megamúsica

Há uma rumba congolesa? Há, tal como os Kékélé explicaram bem no seu álbum de estreia, «Rumba Congo». Tal como há blues na zona mandinga de África, merengue angolano, hip-hop em todo o continente... E a razão já é sabida: essas formas musicais norte ou latino-americanas tiveram a sua origem em várias zonas de África e, muitas vezes, a ela voltaram como eco de um eco anterior. E é isso também que faz a riqueza de muita música híbrida africana, como no caso dos Kékélé, que vão à rumba latino-americana e dela se apropriam para a enfeitar, sempre bem, com harmonias que só podiam nascer em África. E com uma explicação histórica para a re-apropriação: segundo os Kékélé, a rumba teve a sua origem no ritmo congolês nkumba, levado pelos escravos para Cuba há centenas de anos e até mais recentemente (no séx.XIX ainda havia tráfico de escravos entre a África Central e Cuba). Em «Kinawana», o seu terceiro álbum, o quinteto - ao qual está de volta Papa Noel - adapta canções cubanas conhecidas (todas elas compostas ou gravadas pelo lendário compositor e cantor cubano Guillermo Portabales), dá-lhes outros nomes porque cantadas em lingala e serve uma festa interminável de guajiras, rumbas e outros ritmos latino-americanos, que também metem ao barulho Manu Dibango (que toca saxofone em cinco temas) e a cantora Mbilia Bel. (8/10)


AFRICANDO
«KETUKUBA»
Sterns Music/Megamúsica

E agora, uma frase feita: o melhor dos dois mundos costuma encontrar-se nas gravações dos Africando e «Ketukuba», o novo álbum deste super-grupo, não foge à regra (outra frase feita). Os Africando são um projecto afro-cubano que reúne cantores de várias nacionalidades africanas (e um porto-rqieunho) com músicos na sua maioria cubanos, sob a direcção visionária de Ibrahima Sylla (o homem por trás da Syllart). E o que se pode ouvir em «Ketukuba» são salsas - mesmo que num dos casos, «Viens Danser Sur Le son Africando», seja chamada salsa-mandinga, o que se percebe bem quando se ouve a canção -, rumbas, guaguancos e guajiras cantadas em wolof, mandinga, lingala, por vezes francês e espanhol, que apelam a um baile global, transcontinental, total. Sem o cantor Gnonnas Pedro (a quem é dedicado o álbum), entretanto falecido, e com três temas arranjados pelo pianista cubano Alfredo Rodriguez (que morreu durante as gravações do álbum), as vozes dos Africando são agora Sékouba Bambino, Amadou Balake, Medoune Diallo e os novos recrutas Basse Sour, Pascal Dieng (ambos do Senegal) e o porto-riquenho Joe King, tendo como convidados o congolês Madilou System e Lodia Mansour, filho de Medoune Diallo. E os novos não ficam a dever nada aos mais velhos, ficando assim assegurada uma continuidade brilhante a este grupo que já vai no seu sétimo álbum. (8/10)

23 março, 2007

Banda Larga - Cantos de Paixão em Itália



É uma espécie de super-grupo à portuguesa. César Prata (Chuchurumel), Julieta Silva (Chuchurumel e Diabo a Sete), Celso Bento, Luísa Correia (ambos também dos Diabo a Sete) e a actriz Dulce Silva formam os Banda Larga (na foto), nova banda de música tradicional portuguesa que vai participar no festival italiano Canti di Passione, que decorre de 25 de Março a 1 de Abril em Lecce. O projecto, formado de propósito para a ocasião, vai interpretar canções tradicionais portuguesas da Quaresma e da Páscoa (alvíssaras, martírios, xácaras, encomendações das almas...), de várias regiões do país. Para já, não há ideia de dar continuidade ao projecto ou gravar um disco, mas seria uma pena que se perdesse este conceito; ora veja-se só o alinhamento do concerto: «Santos Passos» (Penha Garcia), «Já lá gritam no Calvário» (Monsaraz), «Nome de Maria» (Zebreira), «Louvado no Sisso» (Penha Garcia), «Com grande peso da cruz» (Proença-a-Velha), «Encomendação das almas» (Idanha-a-Nova), Devoção das almas» (Oliveirinha - Aveiro), «Encomendação das almas» (Alcoutim), «O vos omnes»(Redondo), «Amava-os de um em um»(Salvaterra do Extremo), «As excelências da Virgem» (Alcoutim), «Indo a D. Silvana», «Aleluia»(Cambra - Vouzela), «Aleluia da Festa das Rosas» e «Já apareceu a Aleluia»(Idanha-a-Nova), interpretadas a vozes e com instrumentos próprios destas quadras religiosas como as matracas e zaclitracs e ainda sanfonas, viola, sinos e adufes. No festival participam também grupos e artistas de outros países do sul da Europa e da Bacia do Mediterrâneo - com destaque para a delegação italiana, claro - como os Al Qantarah, Ambrogio Sparagna, Antonio Melegari e Andrea Stefanizzi, Argalìo, Asteria, Calixtinus, o Coro bizantino Pankyprias Enosos Ieropsaltom “Ioannis Koukouzelis”, Coro della Confraternita di Santa Croce di Bonnanaro, Daskali se Kinisi, Ethnos, Famiglia Zimba, Fratelli De Prezzo e Ninfa Giannuzzi, entre outros.

22 março, 2007

Folk and Roll - Um Concurso Abrangente no Contagiarte



A primeira edição do Concurso Folk and Roll decorre dia 19 de Maio, no Contagiarte, Porto. Este concurso destina-se a «projectos musicais na área da World Music, Tradicional ou Folk, sem trabalhos discográficos editados». O projecto vencedor terá como prémio principal a abertura do Festival Granitos Folk, a decorrer em Junho e... um cabaz de produtos tradicionais. Mas todos os grupos participantes terão direito a um prémio que inclui a gravação em CD e DVD (áudio e vídeo) da sua participação assim como o respectivo registo fotográfico. O regulamento do concurso segue aqui:

REGULAMENTO

1. PARTICIPAÇÃO

1.1.) Podem concorrer todos os grupos de música Folk,Tradicional e World nacionais que não tenham até à data editado nenhum material discográfico;

1.2.) O concurso decorrerá no dia 19 de Maio de 2007 no espaço cultural Contagiarte;

2. REQUISITOS

2.1.) Todos aqueles que desejem concorrer deverão efectuar a sua inscrição, a partir do dia 19 de Abril de 2007, por escrito, enviando o formulário de inscrição (o qual deve ser sacado do site: www.folkandroll.web.pt) e a respectiva maqueta para: Concurso Folk & Roll, Contagiarte – espaço de sensibilização, formação e dinâmica culturais, Rua Álvares Cabral, nº372, 4050-040 Porto;

2.2.) Todos os campos solicitados no formulário deverão ser devidamente preenchidos;

2.3.) A maqueta entregue pelos grupos concorrentes deverá ter quatro temas devidamente identificados;

2.4.) A interpretação dos temas não pode exceder a duração máxima de trinta minutos no total;

2.5.) Os Concorrentes deverão apresentar-se no espaço Contagiarte, no dia 19 de Maio de 2007, à hora marcada, a qual será comunicada posteriormente por carta escrita;

3. SELECÇÃO

3.1.)O Júri fará uma pré-selecção, após audição de todas as maquetas recebidas;

3.2.)Dessa pré-selecção resultará uma selecção final de apenas cinco grupos;

3.3.) A selecção final do grupo vencedor será feita por um júri constituído por cinco elementos: Hugo Osga (músico e programador), Carlos Bartilotti (Manager, Produtor), Avelino Tavares (director do Festival Intercéltico do Porto), António Pires (jornalista e crítico de música) e Rui Oliveira (director artístico do espaço Contagiarte e da Acaro);

3.4.) A pré-selecção será feita só por dois elementos do júri, sendo estes Hugo Gomes (Osga) (músico e programador) e Rui Oliveira (director artístico do espaço Contagiarte e da Acaro);

3.5.) Os grupos seleccionados para a final, após serem notificados do mesmo, deverão confirmar a sua presença por carta registada até ao dia 12 de Maio de 2007, preenchendo um documento de aceitação e de condições de participação;

3.6.) Em caso de desistência serão contactados os grupos suplentes, de acordo com a listagem final;

3.7.) Só se efectuará a pré-selecção caso o número de participantes inscritos o justifique;

4. FINAL

4.1.) No dia do concurso os grupos seleccionados (ou um representante do grupo) deverão estar presentes no espaço Contagiarte às 13h00 para assistirem ao sorteio da ordem de apresentação dos grupos concorrentes;

4.2.) Os ensaios de som serão realizados nessa mesma tarde, em hora a confirmar, consoante resultado do sorteio;

4.3.) As provas de som são de sessenta minutos para cada grupo, iniciando-se a primeira às 14h00, terminando a última às 19h00;

4.4.) A partir das 19h00 será servido o jantar, oferecido pela organização;

4.5.) A final realiza-se na noite do dia 19 de Maio de 2007, pelas 21h00, no espaço Contagiarte;

4.6.) O resultado final será participado às 02h00 da manhã do dia 20 de Maio de 2007;

4.7.) O técnico de som é da responsabilidade da organização e é o mesmo para todos os grupos;

5. PRÉMIOS

5.1.) Todos os grupos seleccionados para a final recebem uma gravação Áudio do concerto, uma gravação profissional em DVD do concerto e um CD com material fotográfico registado durante o concerto;

5.2.) O grupo vencedor faz a abertura do festival Granitos Folk, a realizar-se no dia 6 de Junho de 2007, no espaço Contagiarte;

5.3.) O grupo vencedor receberá também um cabaz com produtos tradicionais;

6. PROMOÇÃO

6.1.) Toda a cobertura/divulgação do concurso é da responsabilidade da organização do evento.

Mais informações sobre o concurso aqui. A imagem que encima este post é da autoria do artista plástico George Callaghan.

21 março, 2007

José Mário Branco, Camané, Fausto - Canções Pelo Iraque



Quatro anos depois da invasão do Iraque pelos Estados Unidos e países aliados. Quatro anos depois, com centenas de milhar de civis iraquianos mortos e mais de três mil soldados norte-americanos mortos. Quatro anos depois e a certeza de que naquele país não havia armas químicas nem nucleares nem qualquer ligação à Al-Qaeda. Quatro anos depois e a pena de morte como lei (e não, a pena de morte nunca deve ser admitida nem quando se fala de ditadores sanguinários, como Saddam era). Quatro anos depois e o enriquecimento dos barões da guerra, do petróleo e da reconstrução de edifícios. Quatro anos depois e uma democracia que não é democracia. Quatro anos depois e a divisão do país e o ódio generalizado e uma guerra civil que não se sabe quando acabará. Quatro anos depois e Guantanamo continua (Auschwitz e Gulag dos nossos tempos e da nossa vergonha). Quatro anos depois e com novos alvos do governo norte-americano no horizonte (um dia a Coreia do Norte, outro dia o Irão, outro dia há-de ser um país da América Latina ou de África qualquer). Quatro anos depois, alguns cantores portugueses juntam a sua voz para cantar «Canções Pelo Iraque - Quatro Anos de Ocupação, Quatro Anos de Resistência». É no Cinema S. Jorge, em Lisboa, depois de amanhã (dia 23), com José Mário Branco (na foto, de Lia Costa Carvalho), Fausto, Camané, Luís Represas, Jorge Palma, Pedro Abrunhosa, Paulo de Carvalho e Pacman (dos Da Weasel), com apresentação dos actores Rita Blanco e Jorge Silva Melo. A organização é da secção portuguesa do Tribunal Iraque, cujo site pode ser encontrado aqui.

20 março, 2007

Cromos Raízes e Antenas XIV


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XIV.1 - The Chieftains



Os Chieftains já ultrapassaram os 45 anos de carreira. Uma carreira que entronca no que de melhor, mais puro (por muitos cruzamentos que tenham feito) e mais sublime tem a música irlandesa. Nascidos em Dublin, em 1962, pelas mãos de Paddy Moloney, ao qual se juntaram Martin Fay, Michael Tubridy, Seán Potts e David Fallon, os Chieftains cedo se assumiram como os pontas-de-lança da folk irlandesa e, com o passar dos anos, como os seus maiores embaixadores. Actualmente constitituídos por Moloney, Seán Keane, Kevin Conneff e Matt Molloy, pelo grupo passaram também outros músicos fabulosos como Derek Bell, Peadar Mercier e Ronnie McShane. Têm dezenas de álbuns (dos quais é impossível escolher o melhor!), seis Grammys, um Oscar, muitas e variadas colaborações - dos Rolling Stones a Júlio Pereira, de uma orquestra chinesa a Sting ou Sinéad O'Connor - e uma história única para contar.


Cromo XIV.2 - Adufe



O adufe é um instrumento de percussão português de origem árabe (a sua introdução no nosso país remonta à Idade Média) que tem como principais características ser quadrado e ter duas membranas percutíveis. Construído com madeira e, preferencialmente, com a pele de um animal macho e outro fêmea (o que dá sonoridades diferentes de cada lado do instrumento e que, segundo alguns teóricos, reforça o carácter simbólico do instrumento), o adufe pode ainda incluir no seu interior algumas sementes ou soalhas. Essencialmente tocado por mulheres na Beira-Baixa (Monsanto, Idanha, Penamacor...), o adufe também se encontra na tradição de Trás-os-Montes e pode ouvir-se igualmente em muitos grupos e artistas de música popular portuguesa nas últimas décadas, nomeadamente no projecto Adufe, de José Salgueiro, que reinventa os adufes e lhes dá outras formas, dimensões e sonoridades.


Cromo XIV.3 - Ulali



O trio feminino Ulali é um dos maiores representantes da música dos índios norte-americanos da actualidade. Integrando três cantoras e percussionistas - Pura Fé (da tribo tuscarora), Soni (com raízes maias, apaches e yaquis) e Jennifer (tuscarora) - as Ulali surgiram em 1987, tendo como finalidade fundir canções ancestrais pré-colombianas, harmonias mais recentes de vários povos índios e a sua aprendizagem de canto contemporâneo. A beleza da sua música levou-as a actuar em diversos festivais (Woodstock, WOMAD, World Festival of Sacred Music ou o Cantigas do Maio do Seixal), à abertura dos Jogos Olímpicos de Atlanta, à inauguração do Smithsonian National Museum of the American Indian, a participar em filmes e a colaborar com gente tão diversa quanto os 1 Giant Leap, Indigo Girls, Sting, Miriam Makeba ou Robbie Robertson. Álbum aconselhado: «Mahk Jchi».


Cromo XIV.4 - Warsaw Village Band



Um dos mais excitantes novos projectos saídos dos países do leste europeu, o grupo polaco Warsaw Village Band (em polaco Kapela Ze Wsi Warszawa) nasceu em Varsóvia, em 1997, obstinado em dar à música tradicional polaca o mesmo tipo de tratamento que os Hedningarna deram à música sueca. E conseguiram-no plenamente. Electrizante em palco e em disco, a Warsaw Village Band mostra que é um grupo contemporâneo, quase rock, ao mesmo tempo que toca instrumentos antigos como a sanfona ou a szuka, uma antiga rabeca polaca, e canta num género - bialy glos («voz branca») - próprio dos pastores das montanhas da Polónia. A sua modernidade levou-os também a convidar para os seus discos gente do hip-hop e das electrónicas, paixões que ainda são mais desenvolvidas no seu projecto paralelo Village Kollektiv. Álbuns aconselhados: «Wiosna Ludu» (2002) e «Wykorzenienie» (2004).

19 março, 2007

Sons e Ruralidades - Novas Maias em Vimioso



A segunda edição do festival Sons e Ruralidades decorre de 27 de Abril a 1 de Maio em Vimioso, tendo como balizas não só a música mas também «artes performativas, ambiente, movimentos sociais, memória, ecologia, identidade, relexividade, local-global e fusão». As noites musicais contarão com os Fol&ar (na foto, de Joana Guilherme), Uxu Kalhus, La Bazanca (Espanha) e o espectáculo «Las bielhas, ls rapaçs i ls burros», coordenado pelos Chuchurumel, com a colaboração das Cantadeiras de Caçarelhos e com imagem de Tiago Pereira. O festival inclui ainda aulas de danças tradicionais, palestras e debates sobre diversos temas (desde a etnografia à conservação da natureza), artes rurais, jogos tradicionais, teatro, animação, exposições, uma feira e mostra de artesanato e associações, a segunda edição da Feira de Burros de Vimioso, terminando tudo, no dia 1, com a tradicional Festa das Maias, uma celebração da Primavera coroada com giestas e muita folia. Mais informações aqui e aqui.

17 março, 2007

Rare Folk, Cadencia e Nordestin@s - Os Bons Ventos de Espanha



Três grupos de várias regiões de Espanha e de estilos muito diferentes mostram a vitalidade e a variedade da música de raiz tradicional - e não só das raízes mais «óbvias», como se verá - feita no país vizinho. São três álbuns recentes dos «celtas» Rare Folk, dos flamenquistas Cadencia (na foto) e do trio galego Nordestin@s.


RARE FOLK
«NATURAL FRACTALS»
Ed. de Autor/Galileo

Sexteto de Sevilha já com quinze anos de existência, os Rare Folk mostram em «Natural Fractals» uma música que passa quase sempre pelos ambientes ditos «celtas» - andam jigs e reels sempre a pular por ali - mas também por outros espaços em que a electrónica, o jazz-rock de fusão, a música africana, o flamenco, o rock sinfónico e progressivo, a música árabe e turca se misturam naquilo a que o grupo chama «freestyle folk». Inteiramente instrumental - pelo menos neste álbum -, o grupo é constituído por Rubén Diaz de La Cortina (flauta, tin whistle, «Mangu» Díaz (bandolim, bouzouki, glissentar e programações), Marcos Munné (guitarras), Pedro Silva (teclas), Oscar Valero «Mufas» (baixo eléctrico) e Fernando Reina (bateria), tendo neste álbum a colaboração de Elo Sánchez (violino) e Nacho Gil (saxofone soprano e clarinete turco). E, por muito longe que esteja de um qualquer purismo ou tradicionalismo qualquer (excepto na faixa escondida que encerra o álbum, um solo de flauta que parece saído de um pub irlandês), nota-se sempre na sua música um amor tremendo pelas raízes da música «celta», uma escolha curiosa e bem-vinda de um grupo oriundo da Andaluzia. (6/10)


CADENCIA
«SIN TI»
Fonoruz

Também de Sevilha, e neste caso fazendo «justiça» às suas origens, os Cadencia são um excelente grupo que parte do flamenco - que está sempre muito presente nas suas canções - para visitar também outros géneros musicais como o jazz, a bossa-nova, a música medieval e a música «celta», tudo espalhado por originais de membros do grupo que são de um bom-gosto a toda a prova. Tendo como ponta-de-lança a voz verdadeira, quente, sanguínea, lindíssima, de Dolores Berg, do grupo fazem também parte J.A. Mazo «Gori» (guitarrista e compositor da maioria das canções), Enrique Mengual (baixo), Sofia Bermudez (percussões) e Pepo Herrera (flautas), usando exclusivamente instrumentos acústicos. Longe do radicalismo, da loucura e do experimentalismo de uns Ojos de Brujo, por exemplo, os Cadencia estão muito mais perto da essência do flamenco (e dos vários sub-géneros que o flamenco inclui), mas estão também sempre prontos a na sua música incluir um ou mais elementos desviantes e surpreendentes. «Sin Ti» é o álbum de estreia do quinteto mas é já uma obra madura, cheia de certezas e prova maior de que há um novíssimo e bastante excitante flamenco a nascer na Andaluzia. (8/10)


NORDESTIN@S
«NORDESTIN@S»
Falcatruada

Ainda mais surpreendente do que os dois álbuns anteriores é o álbum homónimo dos galegos Nordestin@s, projecto que reúne duas cantoras maravilhosas - Guadi Galego (dos Berrogüetto) e Ugia Pedreira (dos Marful) - e o extraordinário pianista de jazz Abe Rábade. Neste grupo, os três atiram-se com bom-gosto, elegância e originalidade à interpretação de muitos tradicionais galegos e alguns originais deles e de alguns outros. O álbum está cheio de belíssimas harmonias vocais entre as duas cantoras (embora por vezes também cantem a solo), sublinhadas pelo voo pelas teclas do piano de um Rábade swingante, inventivo, livre. E o resultado é sempre uma maravilha completa, não se sabendo nunca o que é que tem mais peso aqui, se o jazz se a inspiração tradicional - e ainda bem que não se sabe! O álbum, que foi gravado ao vivo (mas sem audiência) no Teatro Principal de Santiago de Compostela, em 2006, inclui canções «populares do norte de Galicia, composicións que ulen a mar e a taberna, que falan de lendas de mulleres e sereas e que foron trasmitidas por varias xeracións». Só mais uma coisa: raramente como neste álbum a língua galega - nossa língua irmã - soa tão doce e subtil. (9/10)

16 março, 2007

Tocar de Ouvido - Aprender Com Quem Sabe



A edição deste ano do encontro de tocadores de instrumentos tradicionais Tocar de Ouvido decorre de 28 de Abril a 1 Maio no Espaço Celeiros, em Évora, com organização da Pé de Xumbo, da Associação D'Orfeu e da Associação Gaita-de-Foles. Este «encontro de velhos e novos tocadores, tendo por base a música tradicional portuguesa» pretende «uma passagem directa daquilo que são músicas tradicionais e técnicas instrumentais contidas nos repertórios dos tocadores mais antigos, para músicos mais novos - que possam de alguma maneira dar continuidade às tradições musicais das várias regiões e instrumentos», consistindo o encontro, principalmente, «em sessões de trabalho entre músicos (oficinas de instrumentos), feira de construtores de instrumentos, conversas e apresentações dos instrumentos e bailes abertos ao público», havendo ainda filmes e actividades para crianças. Este ano há oficinas de gaita-de-foles e bombo (gaita - Flamínio de Almeida, bombo - António Roque, pivot - Pablo Carpintero), de concertina (concertina - Artur Fernandes), de flauta de tamborileiro (flauta - Santiago Bejar, pivot - Pablo Moreno), de flauta travessa (flauta - Joaquim Torres, pivot - Gil Nave), de rabeca chuleira (rabeca - Bernardo Ribeiro, pivot - Manuel Rocha) e de viola campaniça (viola - Manuel Bento, pivot - Pedro Mestre). Actividades para crianças. Mais informações aqui. A foto de concertinas que encima este post é de Mário Pires, da Retorta.

15 março, 2007

Tito Paris - Álbum Acústico a Caminho



O cantor, compositor e guitarrista cabo-verdiano Tito Paris edita o seu novo álbum, «Acústico», dia 26 deste mês, através da World Connection, com distribuição da EMI Music Portugal. O álbum, gravado ao vivo na Aula Magna da Universidade de Lisboa, conta com arranjos de Tomás Pimentel e inclui os temas «Sôdade», «Morna PPV», «Estrela Linda», «Febre di Funáná», «Nha Sina», «Ondas Di Bô Corpo», «Que Vida», «Victor», «Otília/Otilio» e «Poema Tropical» e ainda três bónus gravados em estúdio: «Tcapêau di Pdia», «Xandinha» e «Galo Bedjo». Tito Paris nasceu em Mindelo, Cabo Verde, antes de se radicar em Portugal, e participou - como instrumentista e/ou produtor - em álbuns de Bana, Cesária Évora ou Maria de Barros. Com sete álbuns em nome próprio, centenas de concertos em todo o mundo, Tito Paris está agora ligado à editora holandesa World Connection, cada vez mais a casa de acolhimento de vários cantores e músicos portugueses ou de expressão portuguesa como Mariza, Sara Tavares, Tété Alhinho, Waldemar Bastos, Mário Pacheco e Jorge Fernando.

14 março, 2007

Blasted Mechanism - De Lisboa a... Gaia (Pois, Não É Bem Essa)



Os Blasted Mechanism (foto de Hugo Lima) apresentam o seu novo álbum, «Sound In Light», em concertos em Lisboa e Gaia (pois, não é bem Gaia, o Planeta - de que eles falam logo no início do teledisco de «All The Way» -, mas Gaia... em frente ao Porto) nos próximos dias. O concerto lisboeta decorre amanhã, dia 15, na Aula Magna da Universidade de Lisboa, e o portuense - inicialmente marcado para o Teatro Sá da Bandeira, na Invicta - no Pavilhão Municipal de Gaia, dia 17, sábado. Como aliciante para a compra do bilhete para cada um dos espectáculos ou para a compra do CD, refira-se que nas lojas FNAC e no local dos espectáculos um bilhete para o concerto dá direito ao CD «Sound In Light» e... vice-versa. O novo álbum dos Blasted Mechanism, recorde-se, tem um leque luxuoso de convidados: o mestre da guitarra portuguesa António Chaínho, o flautista Rão Kyao, os anglo-indianos Transglobal Underground, o espanhol Macaco, o grupo italiano Nidi D'Arac, os lisboetas Gaia Beat e os sintrenses Kumpa'nia Al-gazarra.

13 março, 2007

Dazkarieh - E Agora... O Mundo



Os Dazkarieh (na foto, de Mário Pires, da Retorta) asseguraram a edição do seu mais recente álbum, «Incógnita Alquimia», no Reino Unido, Polónia e Canadá e preparam-se para uma digressão que os vai levar a vários locais de Portugal e a vários países de três continentes. Para já, a banda folk portuguesa tem concertos confirmados para o Tambor Que Fala, Casal do Marco (17 de Março), Casino de Lisboa (9 de Abril), Festival Ollin Kan na Cidade do México, México (três concertos entre 2 e 14 de Maio), Tanz & Folk Festival em Rudolstadt, Alemanha (três concertos entre 6 e 9 de Julho), Sintra (21 de Julho), Viljandi Folk Music Festival, Estónia (dois concertos entre 25 e 29 de Julho), Praia da Vitória, Ilha Terceira, Açores (10 de Agosto), Festival Folklorum, Zentendorf, Alemanha (1 de Setembro), Varsóvia, Polónia (9 a 13 de Setembro), Organic Sound Festival, Tullnerbach, Áustria (14 de Setembro), e Festival Sete Sóis Sete Luas, em Cabo Verde, dia 2 de Novembro na Ribeira Grande e um dia depois na Praia, Ilha de Santiago. Ainda por confirmar estão concertos de 28 de Junho a 5 de Julho num festival no Quebeque, Canadá, noutro festival de 12 a 15 de Julho em Ostrava, República Checa, e um concerto, dia 15 de Setembro, em Usti nad Labem, também na República Checa.

12 março, 2007

Björk - Com Toumani Diabaté e Konono Nº1



O novo álbum de Björk, «Volta», é editado no dia 7 de Maio e nele está presente um leque de participantes que só não é inesperado porque se conhece, desde há muito, a curiosidade da cantora e compositora islandesa sobre a música tradicional, quer seja da sua terra (como na sua colaboração com Hector Zazou no álbum «Chansons des Mers Froides») ou de outros lugares (relembre-se a participação da cantora inuit canadiana Tanya Tagak em vários temas do recente «Medúlla»). Em «Volta», Björk é acompanhada pelo mestre maliano da kora Toumani Diabaté, a fabulosa charanga de kissanges e tralha percutida dos congoloses Konono Nº1 e pela respeitadíssima intérprete de pipa (alaúde) chinesa Min Xiao-Fen. Mas o leque de colaboradores em «Volta» não se resume a estas figuras importantes da chamada world music, alargando-se também ao extraordinário cantor Antony (Antony and the Johnsons), ao produtor de hip-hop Timbaland, Mark Bell (LFO), dois bateristas noisy/experimentais - Chris Corsano e Brian Chippendale (Lightning Bolt) - e uma secção de metais feminina da Islândia. O álbum - totalmente composto e produzido por Björk - tem dez temas e é editado pela One Little Indian/Atlantic Records.

10 março, 2007

Portugal a Rufar - Que Trovejem os Tambores!



A 3ª edição do Festival Portugal a Rufar decorre dias nos 1, 2 e 3 de Junho na antiga Fábrica Mundet (onde decorria o saudoso Cantigas do Maio), no Seixal. Com direcção de Rui Júnior e organização do seu Tocá Rufar e da Câmara Municipal do Seixal, o Festival - o mais importante do país na apresentação de projectos ligados à percussão mas não se limitando, muitos deles, à percussão - conta este ano com a presença dos portugueses Be-dom, Kumpa'nia Al-gazarra, Bácoto, TJAKistan, Drumming, Stucatta, Pura Mistura, Finka-Pé, Bomba d'África, Lusocaboverdiana, Mu, OliveTree (na foto), Rhakatta, Tim Tim Por Tim Tum, Semente e Hugo Menezes, com o projecto alemão PAN, os espanhóis Ttukunak, o grupo multinacional Folklore Magic (Bulgária, África, Austrália), o alemão Kai Vieweg e as orquestras de percussão Tocá Rufar, Equipe Espiral, Jogo do Pau, Instituto Jacób, Perc. da Esc. Cidade de Castelo Branco, Ajuda a Bombar e Bardoada. Workshops de fotografia e didgeridoo, uma feira, teatro de marionetas e infantil, um encontro de bateristas, animação digital e um grande desfile de orquestras pelas ruas do Seixal completam a saborosa ementa do próximo Portugal a Rufar. Fazendo nossas as palavas presentes no site do festival: «O Portugal a Rufar é uma festa para toda a família - bebés, crianças, adolescentes, adultos e idosos - que transporta o visitante através de uma alucinante viagem planetária, pelas origens étnicas e culturais de várias regiões e civilizações. O intercâmbio cultural e artístico, a troca de saberes e de experiências musicais, e sociais também, são igualmente exaltados nesta homenagem à percussão».

09 março, 2007

Janita Salomé - Com a Bênção de Baco



«Vinho dos Amantes» é o novo álbum de Janita Salomé (na foto, de Alberto Fernandes), que é editado na próxima semana pela Som Livre. Neste disco - conceitual, inteiramente dedicado à temática do vinho - o cantor e compositor alentejano é acompanhado pelos pianistas Ruben Alves, João Paulo Esteves da Silva e Ricardo Dias, os guitarristas Mário Delgado e Fernando Abreu, Hugo Marques nas percussões, Yuri Daniel no baixo eléctrico e contrabaixo, Daniel Salomé no clarinete, Vitorino no acordeão e Jacinto Santos em tuba, com participações vocais de Carlos Mota de Oliveira (na recitação de «Embriagai-vos», poema de Charles Baudelaire) e de Vitorino, Jorge Palma, Rui Veloso e Zé Carvalho no coro de «No Banquete», poema de Hélia Correia. Para além de Baudelaire (também autor do poema da canção «O Vinho dos Amantes») e Hélia Correia (também autora de «Ode ao Vinho»), outros poetas cantados por Janita neste álbum são o autor grego clássico Anacreonte («Fragmentos»), o poeta chinês Li Bai («A Estrela do Vinho»), Carlos Mota de Oliveira, António Aleixo, José Jorge Letria, Camilo Pessanha e o próprio Janita, que escreveu as palavras de «Escadinhas do Alto». A história atribulada da edição deste álbum remonta a 2005, ano da gravação, passando pela sua apresentação a diversas editoras que o recusaram e até pelo autor deste blog - que transportou o master do álbum para Sevilha, depois de o ter ouvido muito bem ouvidinho e com todos os cuidados, para o depositar nas mãos de Alain Vachier, agente de Janita, durante a Womex. Agora, felizmente, o álbum está aí, prestes a ser ouvido por muito mais gente.

07 março, 2007

José Fortes - O Senhor do Som



José Fortes (à direita na foto, com o músico Júlio Pereira) é o mais importante engenheiro-de-som da música portuguesa. Com um curriculum em que entram gravações de campo com Michel Giacometti e trabalhos com José Afonso (é a José Fortes que se deve a existência do álbum «Galinhas do Mato» e já se vai perceber porquê), Fausto, Sérgio Godinho, Júlio Pereira, Carlos do Carmo, Pedro Caldeira Cabral, José Peixoto... e até bandas rock como os UHF ou os Mão Morta, José Fortes é um músico sem o ser, o mestre e exemplo para muitos dos mais recentes engenheiros-de-som, como Tó Pinheiro da Silva. A entrevista que se segue foi publicada originalmente no BLITZ em Agosto de 2004, para a série «52 Personalidades da Música Portuguesa».


JOSÉ FORTES
FICHA:

José Manuel Nunes Fortes nasceu a 16 de Fevereiro de 1943. Precoce na profissão, com apenas 13 anos deixaram-no sozinho a fazer o som de uma emissão de rádio em directo e com 15 anos capta o som de um disco de poesia. E elege como marcantes para a sua vida o filme «O Caçador», de Michael Cimino, o livro «Por Quem os Sinos Dobram», de Ernest Hemingway, e como disco «Galinhas do Mato», de José Afonso, álbum em que Fortes tem uma contribuição decisiva (e não só como engenheiro-de-som, como se verá a seguir).

ENTREVISTA:

José Fortes é um veterano da captação de som em Portugal e um guru de vários dos mais recentes engenheiros-de-som portugueses (Tó Pinheiro da Silva, em entrevista a publicar nestas páginas, aponta-o como o seu grande mestre). No infindável curriculum de Fortes contam-se inúmeras gravações de gente tão diversa quanto Carlos Paredes e José Afonso ou os UHF, efectuadas ao longo de cinco décadas. Nos últimos anos tem-se dedicado fundamentalmente à gravação de música clássica, mas às vezes ainda há gente diferente que vai pedir a sua ajuda, como os Mão Morta. E não acha que o seu trabalho seja uma arte, mas sim uma técnica.

Com nove anos, José Fortes fazia de paquete nos estúdios do Porto da Emissora Nacional (actual RDP). Levava bicas ao pessoal da estação de rádio e observava o trabalho dos outros. «Entusiasmei-me com a parafernália do equipamento e os técnicos acharam graça ao puto». O «puto» Fortes começou a mexer no material, aprendeu e, com 13 anos, os técnicos mais velhos «praxaram-no» e deixaram-no sozinho a fazer o som de uma transmissão directa para a Emissora de um espectáculo no Teatro S. João, no Porto. E aos 15 anos é o responsável pela gravação de um disco de poemas de José Régio, ditos pelo próprio, para a editora Orfeu, de Arnaldo Trindade. E em seis meses grava «imensos discos» para esta editora, uma das mais corajosas independentes do pré-25 de Abril (para ela gravaram artistas como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Luís Cília, Fausto, Sérgio Godinho...).

Nos primeiros anos de carreira, Fortes gravou muita música folclórica - «dezenas e dezenas de ranchos folclóricos, nas eiras e noutros recintos das aldeias onde se faziam as festas, com um material rudimentar, os gravadores Ampex 601» - e também conjuntos populares como o Pais e Filhos e o Conjunto Maria Albertina. Em 1962 abre um estúdio no Porto, que ainda existe, o Fortes & Rangel. Mas quando volta da tropa - em 1969 - recebe um convite para dirigir um estúdio em Lisboa, pertencente à Rádio Triunfo, onde permanece durante muitos anos. Para esta editora grava fadistas como Fernanda Maria, Carlos do Carmo, Cecília do Carmo, «dezenas deles». E da música ligeira grava Fernando Tordo - que Fortes destaca como o exemplo de um cantor que gravava tudo ao primeiro «take» -, Paulo de Carvalho, Teresa Silva Carvalho, José Calvário, Maria José Valério, Marco Paulo... «Gravei quase todos». Em alturas diversas também trabalha com Michel Giacometti, em recolhas de música tradicional. Sai da Rádio Triunfo porque «o estúdio estagnou em termos técnicos. E a política da editora era muito import-export, sem grande interesse na criação artística».

Por essa altura, 1979, Fortes pensa abandonar a actividade de engenheiro-de-som. «Pensei: vou parar, fazer outra coisa na vida. Mas ao fim de 15 dias de estar em casa aparece-me o maestro Correia Martins, que me convida para ir gravar com ele num estúdio, RPE, que estava um caos. Comecei por recusar, mas lá fui "desenrascar" o trabalho». E tanto desenrascou que ficou: o estúdio estava falido, era «um buraco» e transformou-se num desafio remodelar o estúdio e criar condições profissionais para nele fazer boas gravações. Nascia assim o Angel Studio, do qual Fortes viria a ser sócio. Em 1984, ano de nascimento do BLITZ, Fortes está de corpo e alma neste estúdio, onde grava ao longo da década de 80 mais umas boas centenas de artistas, entre grupos rock, cantores ligeiros, músicos de MPP... Com José Afonso, por exemplo, trabalha várias vezes. E é ele o responsável por haver um álbum chamado «Galinhas do Mato«, o último de originais de José Afonso (e onde participam também cantores como Luís Represas, Janita e Né Ladeiras, entre outros). Fortes conta a história: «Temas cantados pelo Zeca nesse álbum foram gravados alguns anos antes, para um álbum a editar pela Sassetti. Essas gravações acabaram por não sair na altura porque a editora se recusou a pagar uma ninharia pelas fitas. Toda a gente pensava que as fitas tinham sido apagadas, mas eu guardei-as e as gravações acabaram por aparecer no "Galinhas do Mato"», disco editado em 1985 pela Transmédia.

José Fortes é, em alguns discos, para além de engenheiro-de-som, creditado como produtor. «Há alguns amigos que me envolveram na produção ou eu envolvi-me na produção, não sei bem. Mas às vezes comecei a opinar e essa opinião começou a ser bem recebida. Mas não sou produtor nem tenho pretensões a isso». Nessa função de produtor e/ou co-produtor trabalhou com José Peixoto, Júlio Pereira e até os Mão Morta. A propósito da banda rock de Braga, Fortes diz que «eles têm uma qualidade, independentemente do estilo, que é a honestidade. Aquilo que eles são é aquilo que eles fazem. Como é que um homem como eu, mais ligado à música acústica e à música clássica, trabalha com os Mão Morta?... Porque são pessoas de boa formação e fazem um trabalho honesto. E não renego o estilo deles, pelo contrário: gosto e oiço. Eles têm um estilo ímpar neste país».

No início dos anos 90, Fortes passa alguns meses nos estúdios Valentim de Carvalho, «de passagem», quando o Angel Studio se alia à VC. Mas sai por incompatibilidades várias, «dei-me mal com aquilo». E vai para a Edipim, empresa de televisão, embora nunca perdendo o «contacto com as gravações de música acústica, principalmente na área da música clássica». Na Edipim permanece durante seis anos. Actualmente trabalha por conta própria e possui um estúdio móvel montado numa carrinha Iveco, que utiliza para gravar concertos de música clássica, a sua música preferida. «Faço gravações a preços módicos e suaves prestações mensais, orçamentos grátis e vou a casa do freguês». E acrescenta, com humor: «Sou mais camionista que técnico, talvez». Mas ele prefere assim, continuar a viajar milhares de quilómetros por ano, na sua carrinha, para gravar aqui e ali, sem estar dependente de outras pessoas. Diz: «Prefiro comer uma tigela de sopa todos os dias e não fazer fretes a comer caviar todos os dias mas não me sentir feliz». «Estive muitos anos enclausurado numa régie. E de manhã, tarde, noite, madrugada, sábados, domingos, dias santos... Isso dá uma grande saturação. E ficamos azedos... principalmente com a saturação do faz-de-conta». Um faz-de-conta que se prende com a má qualidade de alguns artistas, que cantam mal, tocam mal e contam com os técnicos para disfarçar, com as máquinas do estúdio, a sua inabilidade como cantores ou músicos. E pergunta: «o que é que isso tem de arte?».

É também por isso que, agora, só trabalha com quem lhe dá prazer estar, conviver, gravar. Entre todos os artistas com que já trabalhou, José Fortes destaca ainda Miguel Graça Moura com a Orquestra Metropolitana de Lisboa, António Pinho Vargas, Pedro Caldeira Cabral ou o guitarrista José Peixoto (desde há alguns anos a trabalhar com os Madredeus). Fortes diz de Peixoto: «Deu-me imenso prazer ver crescer o José Peixoto como músico. Há muitos anos, ele fez uma sessão de estúdio, reparei nele e falei com as pessoas que ali estavam, "este gajo funciona bem, é porreiro", mas ninguém deu muita importância. Mas convidei-o para gravar as coisas dele. Fomos para o estúdio gravar fora de horas, editou e a seguir as pessoas começaram a reparar nele. E só não tem mais sucesso porque há políticas editoriais que não se compreendem. Ou então se, em vez de se chamar José Peixoto, tivesse um nome qualquer em alemão. Gravei um concerto belíssimo do Peixoto com o Mário Franco, no CCB, que tinha apenas duas dezenas de pessoas na sala».

Para Fortes, ser engenheiro-de-som não é uma arte: «Faço captação de som. E isso é pura e simplesmente técnica, não é arte. Agora, podemos é ter técnicos de melhor ou pior qualidade, de quem gostamos mais ou menos, que se adaptam melhor a este tipo de trabalho ou àquele tipo de trabalho. Pela sua formação, pela sua instrução... A gravação não tem nada a ver com arte. Mas, se gostamos de música, aí já podemos aproveitar-nos disso. Gostamos, ouvimos e aí poderemos dar nuances diferentes ao trabalho que estamos a fazer». E acrescenta: «quando fazemos o equilíbrio de um grupo, de uma orquestra, seja do que for, para que soe bem - quer em termos de dinâmica, de espaço, de qualidade - estamos a usar parâmetros técnicos, não artísticos. Já ouvi dizer que a técnica é uma arte... mas só se for ao nível do artífice, como o sapateiro que também é um artista. A captação de som é uma actividade objectiva, não é subjectiva; porque assente em leis rígidas - a acústica é matemática, a electrónica é matemática, a física é matemática. Por exemplo, se temos distorção, essa distorção é mensurável; se temos excesso de nível, também podemos medi-lo em decibéis... A apreciação do trabalho é que poderá, depois, ser subjectiva». E deixa uma «dica», algo enigmática (ou irónica), aos novos técnicos de som: «também se fazem boas gravações com bons equipamentos».

Só para terminar. De José Fortes traça Júlio Pereira, na sua página de internet, o resumo de vida quase perfeito: «Dedicou toda a sua vida a estudar a melhor maneira de gravar os sons. De gravar o som. O seu curriculum não caberia nesta página. Dele constam centenas e centenas de discos, gravações de espectáculos e concertos ao vivo e recolhas de carácter etnográfico. Sempre se disponibilizou para ajudar o músico, dando horas sem remuneração, noites sem dormir e material emprestado. E um sorriso constante que lhe vem da sua ascendência galega».

06 março, 2007

Sara Tavares - Bons Feelings de Norte a Sul



A cantora Sara Tavares efectua durante este mês de Março a sua primeira digressão nacional de apresentação do excelente álbum «Balancê», com concertos dia 9 no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, dia 10 no Centro Artes de Portalegre, dia 17 no Cine Teatro de S. João, do Entroncamento, dia 24 no Cine Teatro de Estarreja, e dia 27 no Cinema S. Jorge, em Lisboa. Depois, durante a Primavera e Verão, Sara Tavares actuará em concertos e festivais em Itália, Suécia, Noruega, Holanda, Alemanha, Polónia e Itália. Há alguns meses, no Festival Sons em Trânsito de Aveiro, a cantora mostrou já este espectáculo, do qual ficou aqui escrito neste blog: «Sara Tavares mostrou ao vivo aquilo que já tinha mostrado em disco: que já está muito, muito, longe dos concursos televisivos e de um início de carreira oscilante entre géneros mais mainstream e algumas paixões pessoais, como o gospel. Agora, Sara está o que sempre foi e que pareceu estar esquecido durante alguns anos: que é uma cantora luso-cabo-verdiana, ainda por cima uma belíssima cantora (e, acrescente-se, compositora). Nela ainda habitam ecos de soul, funk, pop, r'n'b, reggae, mas isso é bom, muito bom, quando assim integrado em música que vai a Cabo Verde (e a outros lugares de África) buscar a sua inspiração. Mais a mais, quando Sara Tavares é acompanhada por uma banda que inclui o guitarrista e cantor com frutuosa carreira em nome próprio Boy Gê Mendes (e que com ela fez um dueto durante o concerto) e para o discreto mas seguríssimo baterista N'dú».

05 março, 2007

Ana Sofia Varela, José Peixoto, Fernando Júdice e Vicky - E as Suas Canções do Sal



A estreia ao vivo do projecto Sal decorreu ontem, na Casa da Música, Porto - tal como este blog noticiou há algumas semanas - mas há agora mais novidades sobre este novo grupo formado por dois membros dos Madredeus, o guitarrista José Peixoto e o baixista Fernando Júdice, a fadista Ana Sofia Varela e o percussionista Vicky. Segundo o site At-Tambur, o álbum de estreia do Sal, homónimo, é editado no dia 12 deste mês, e o concerto de lançamento oficial do disco está marcado para dia 29, no Cinema S.Jorge, em Lisboa. Segundo o texto de apresentação do projecto, «a música de Sal cruza a raiz ibérica com a dimensão atlântica do percurso lusófono e surge como herdeira de um legado fadista onde apesar da recusa de ser formalmente fado (até pela diferença da instrumentação) acaba por afirmar a sua identidade portuguesa. Essa identidade não se esgota na margem oriental do Atlântico Norte, mas antes alimenta-se e revigora-se nos outros lugares onde o mar português encontrou terra. A partilha da língua falada por povos tão diferentes, cria um espaço onde o convívio da diferença se alia despreocupadamente à mestiçagem da forma. É esse o espaço de Sal».

03 março, 2007

Susana Baca - Música Negra (Contínua) em Lisboa e Guimarães



Olha-se-lhe o rosto e descobrem-se-lhe as raízes. Ouvimos o seu canto e sabemos de onde esse canto vem. É do Peru, sim, mas é também de África. A África a que Susana Baca voltou em busca das suas origens, a África berço de lunduns (que estão na origem do fado), lunduns que ela ainda canta, a África que viajou depois para muitos lugares, tantos, e para os Estados Unidos. E nos Estados Unidos ela estudou a evolução da música negra norte-americana para assim poder compreender melhor como ela, a música negra, e ela, cantora negra peruana, puderam evoluir lá mais em baixo, mas em sincronismo perfeito, na América do Sul. É esta cantora - e, mais que cantora, uma estudiosa da sua e de muitas músicas, fundadora do Instituto Negro Contínuo que, em Lima, faz a ponte entre as Américas e África - que regressa a Portugal, mais uma vez, para concertos em Lisboa, no Cinema S.Jorge, a 6 de Abril, e em Guimarães, no Centro Cultural de Vila Flor, um dia depois. Na bagagem traz ainda o seu álbum «Travesías», retrato daquelas e de outras viagens que passam pelo Peru, por África, pela poesia de Pablo Neruda, pela presença de Gilberto Gil ou por versões inesperadas de temas de Maxime Le Forestier e Damien Rice. Uma lição - a não perder, nunca - de vida, de música e de História.

02 março, 2007

popularportuguesa - O YouTube ao Serviço da Nossa Música



O realizador de vídeo Tiago Pereira, apaixonado pela música de raiz tradicional portuguesa, lançou recentemente um projecto no YouTube que pode vir a ser uma mina de informação e documentação inestimável da música tradicional/popular portuguesa, assim tenha a colaboração de toda a gente também interessada neste lado importantíssimo da nossa cultura. O projecto chama-se popularportuguesa e é um canal do YouTube aberto à participação de todos os que tenham imagens de músicos, cantores e grupos tradicionais - gravações caseiras, recolhas de campo, programas de televisão, concertos, telediscos, entrevistas... - e que as queiram disponibilizar neste canal do YouTube. Para fazer o «upload» das gravações, os interessados só têm que fazer o «sign up» com o «user» popularportuguesa, introduzir a password (a password é: adufes) e fazer o «upload» das imagens. O mesmo user está ligado ao endereço de e-mail popularmusica@gmail.com (com a mesma password), igualmente aberto à participaçao dos interessados nesta temática e à troca de ideias e informação entre todos eles. Alguns dos vídeos já disponíveis no canal podem também ser vistos no blog de Tiago Pereira, em http://www.modularvideo.blogspot.com

01 março, 2007

Joana Amendoeira - Fado à Flor da Pele



«À Flor da Pele» foi o nome do primeiro álbum dos UHF, mas a expressão é sempre sinónimo de «emoções incontidas», «reacções extremas», «o coração a saltar pela boca», «a alma a sair pelos poros» e é, também, título perfeito para um álbum de fado que se quer verdadeiro, como o é em Joana Amendoeira, como é este, «À Flor da Pele», o título do seu novo álbum, o quinto da sua carreira. Álbum que é apresentado depois de amanhã, dia 3, no Cinema S.Jorge, em Lisboa, com a fadista a ser acompanhada por Pedro Amendoeira (guitarra portuguesa), Pedro Pinhal (viola de fado) e Paulo Paz (contrabaixo e baixo acústico), ao mesmo tempo instrumentistas e também compositores de alguns dos temas interpretados por Joana Amendoeira. «À Flor da Pele» sucede aos álbuns «Olhos Garotos» (1998), «Aquela Rua» (2000), «Joana Amendoeira» (2003) e «Joana Amendoeira - Ao vivo em Lisboa» (2005).