11 maio, 2007

Fanfare Ciocarlia, Beirut e A Hawk and A Hacksaw - A Raiz... e as Antenas



Há muitos músicos que vão às raízes da música dos locais em que nasceram e, de antenas apontadas para o exterior, juntam-lhes influências de outros lugares, muitas vezes distantes. Esse movimento é feito geralmente das «periferias» para o «centro», com músicos asiáticos, africanos, sul-americanos ou do continente europeu a ir ao rock, ao hip-hop ou às electrónicas e a mesclá-los com as suas músicas tradicionais. Mas também há exemplos contrários, como no caso dos norte-americanos Beirut e A Hawk and A Hacksaw, que se apaixonaram pela música cigana dos Balcãs. E com a bênção directa, pelo menos num dos casos, da Fanfare Ciocarlia (na foto), cujo recentíssimo novo álbum é também aqui apresentado.



FANFARE CIOCARLIA
«QUEENS AND KINGS»
Asphalt Tango/Megamúsica

Uma das mais amadas e respeitadas bandas de metais da música cigana do leste europeu, a Fanfare Ciocarlia - que continua a ter como base de operações a aldeia de Zece Prajani, na Roménia - convidou para este novo álbum muitos outros cantores e músicos «romani» (ciganos) do resto da Europa. E o resultado é uma celebração festiva, explosiva muitas vezes, da cultura cigana, comum a romenos, franceses, búlgaros ou macedónios, mesmo que as suas formas musicais sejam aparentemente bastante diferentes - da folia rítmica das secções de metais balcânicas ao flamenco ou à tristeza funda e indisfarçável do canto da «rainha» Esma Redzepova (mesmo que numa canção aparentemente alegre como é «Ibrahim»). «Queens and Kings», o novo álbum da Fanfare Ciocarlia, é uma viagem, em caravana, por uma rota imaginária em que os ciganos, desde a Idade Média, foram absorvendo músicas que os rodeavam (por exemplo, o flamenco - tido como música cigana por excelência - foi uma criação conjunta de ciganos, sim, mas também de judeus e muçulmanos, todos irmanados na fuga à Inquisição espanhola), mas mantendo sempre, intactos, traços comuns e ancestrais. No álbum (dedicado a Ioan Ivancea, o clarinetista e patriarca da Fanfare, falecido o ano passado) colaboram Redzepova, Ljiljana Butler, Mitsou (ex-Ando Drom/Mitsoura), Florentina Sandu (neta do mítico Nicolae Neacsu, dos Taraf de Haidouks) - ambas num tema fabuloso, «Duj Duj» -, Saban Bajramovic, Jony Iliev, os Kaloome e os Kal, entre outros. E termina com uma versão divertidíssima do clássico rock «Born To Be Wild», dos Steppenwolf. (9/10)


A HAWK AND A HACKSAW
«THE WAY THE WIND BLOWS»
The Leaf Label


Traço de união perfeito entre estes três discos, «The Way The Wind Blows», dos A Hawk and A Hacksaw, começa com o som de guizos de cavalos que puxam uma carroça e os metais de alguns dos músicos da Fanfare Ciocarlia (e a trompete de Zach Condon, o menino-Beirut, a ajudar), dando o mote para um álbum lindíssimo, lírico, muitas vezes melancólico mas com uma luz interior fortíssima. Os A Hawk and A Hacksaw são um duo originário de Albuquerque, Novo México, Estados Unidos, formado por Jeremy Barnes (também dos Neutral Milk Hotel; no acordeão, piano, percussões e voz) e Heather Trost (violino e viola d'arco). E em «The Way The Wind Blows», terceiro álbum do duo, com a ajuda dos músicos já referidos e alguns outros, dão-nos uma música híbrida mas sempre consistente em que a inspiração da música cigana europeia (dada pela presença em vários temas dos músicos da Fanfare Ciocarlia mas também com ligações directas aos húngaros Muzsikás ou aos romenos Taraf de Haidouks, por via dos jogos de acordeão e violino feitos pelo duo) se cruza com a free-folk de Devendra Banhart, a folk «paisagística» dos Espers ou a folk psicadélica dos Vetiver. Ora mais festiva (quando a Fanfare está presente), ora mais intimista e nostálgica, a música que está em «The Way The Wind Blows» é sempre muitísimo boa. Como curiosidade, refira-se que há um tema chamado «Oporto»... com rãs a coaxar e charanga balcânica mas sem relação «audível» com a cidade portuguesa. (8/10)



BEIRUT
«GULAG ORKESTAR»
Ba Da Bing! Records

Igualmente originário do Novo México, mais propriamente de Santa Fe, o jovem músico e compositor Zach Condon é a força criativa por trás do projecto Beirut que, em «Gulag Orkestar», tem também a contribuição dos dois A Hawk and A Hacksaw (Jeremy Barnes e Heather Trost) e mais alguns músicos que ajudam à feitura de uma música-irmã da dos A Hawk and A Hacksaw. Mas com algumas, e fundamentais, diferenças: a música de Zach Condon é sempre mais aberta, positiva e «alegre» (mesmo que ele cante sobre as maiores tristezas da vida). E como ele canta! A voz de Zach (que, se não me engano, teria 19 anos quando gravou este álbum, em 2005) é um encanto absoluto - uma voz bem timbrada, pessoalíssima, que faz lembrar aqui e ali Chet Baker (na fase pré-heroína), Scott Walker (na fase pré-loucura) e Antony (sem o falsete). Condon é compositor, cantor, multi-instrumentista (ele toca trompete, cavaquinho, piano, órgão, bandolim, percussões e piano) e a música, embora fortemente influenciada pelas sonoridades balcânicas, passa também por muitas outras paisagens sonoras, dos mariachis mexicanos e de uma suave pop electrónica («Scenic World») a valsas parisienses (oiça-se a lindíssima «Mount Wroclai»), à música da Penguin Cafe Orchestra e a Michael Nyman (principalmente as bandas-sonoras feitas para os filmes de Peter Greenaway). Uma maravilha constante. (9/10)

8 comentários:

Anónimo disse...

Beirut é muito bom!!

Beijos,

Cristina

menina tóxica disse...

:)) e eu ainda ando a descobrir este álbum. também gostei muito.

António Pires disse...

Cristina:

Pois é... mas também deves ouvir os A Hawk and A Hacksaw (não são tão bons no resultado final mas a base ainda é mais consistente - se ficares confusa não te preocupes; eu também estou) e, claro!, a Fanfare Ciocarlia, mestres absolutos - principalmente ao vivo - das «brass-bands» ciganas... Beijos.

Menina Tóxica:

O álbum do(s) Beirut é daqueles que se vão descobrindo aos poucos, principalmente para quem não está habituado às sonoridades de Leste... Deixa-te levar pela voz, os ritmos, s harmonias inesperadas... Gosto tanto, tanto!, deste disco!!

ana disse...

Fui ouvir Beirut e realmente também notei alguma semelhança da voz do Zach Condon com a do Antony, nunca me tinha apercebido que existia :)
O EP Lon Gisland (editado depois de Gulag Orkestar) também é muito bom. Inclui uma óptima versão da "Scenic World", menos pop...
Os A Hawk and A Hacksaw nunca ouvi... Da Fanfare Ciocarlia o que conheço (que é pouco) gosto bastante.

António Pires disse...

Olá Ana:

Com o Antony (sem o falsete) e com os outros de que falo... Um amigo meu também diz que a voz dele está próxima da do Devendra Banhart (o que não acho - a voz do Devendra está mais perto do Caetano Veloso e do Marc Bolan). Também já tenho o novo EP do(s) Beirut mas tinha uma «dívida» para comigo mesmo e tinha que falar do álbum (que está em segundo lugar na minha lista «rock e afins» do ano passado, a seguir à Joanna Newsom). E sim, tens razão, o EP é excelente...

Vê se descobres os A Hawk and A Hacksaw (são quase, quase, tão bons quanto Beirut) e a Fanfare Ciocarlia é mesmo a verdade absoluta: ao vivo são festa e folia e alegria imensa (eles costumam fazer encores - nas ruas, nos corredores dos teatros em que tocam ou até no hall dos aeroportos! - maiores do que os concertos...), com toda a gente a segui-los...

ana disse...

Os A Hawk and A Hacksaw vão passar a integrar a minha lista (mental) de grupos que quase de certeza quando ouvir me vou perguntar "porque é que não ouvi isto antes..."
A Fanfare Ciocarlia tenho pena de ainda não os ter visto ao vivo, tenho essa ideia que deve ser uma festa...

António Pires disse...

Ana:

Não te preocupes: estamos sempre a tempo de descobrir novas músicas (com a certeza de que nunca descobriremos todas as que «devíamos»). E a Fanfare Ciocarlia há-de passar por cá mais dia menos dia, mais mês menos mês... De certeza.

vague disse...

Comecei há pouco tempo a ouvi-los na rádio, sem saber quem eram, e desde a 1ª vez senti q havia ali a promessa de uma coisa bonita.
Estou quase rendida! Hj ao pesquisar sobre a banda,, cheguei aqui.