16 janeiro, 2008

June Tabor, The Imagined Village e Rachel Unthank & The Winterset - Folk Inglesa, Com Certeza!


Por muita música que oiça - de vários géneros e de todo o mundo... ou quase - e por muito prazer que tenha a ouvi-la, e a escrever sobre ela aqui neste blog, há sempre um porto de abrigo que procuro para descansar os ossos destas viagens: a folk britânica. Um porto de abrigo onde se podem encontrar «velhas» conhecidas como June Tabor ou deparar com excelentes surpresas como o segundo álbum de Rachel Unthank & The Winterset (na foto) e o disco de estreia do alargado projecto The Imagined Village.


JUNE TABOR
«APPLES»
Topic Records/Megamúsica

Falar de June Tabor é falar de uma paixão antiga, de uma paixão permanente, que cresce de disco para disco, de concerto para concerto, como se de uma companhia boa, simples e continuada se tratasse. Uma paixão enorme mas que tem ainda espaço para crescer. E «Apples», o seu álbum mais recente, só não é uma surpresa porque desta cantora se pode esperar sempre mais e mais. Os discos imediatamente anteriores - «Rosa Mundi» (2001), «An Echo of Hooves» (2003) e «At the Wood's Heart» (2005) - já apontavam para este descarnamento, esta simplicidade, esta beleza em estado puro que se encontra agora em «Apples», mas que aqui se encontra num grau de depuração muitas vezes próximo do silêncio; de um silêncio preenchido por alguma da música mais bonita que se pode imaginar. Acompanhada apenas por Andy Cutting (dos Blowzabella) na concertina, Mark Emerson no piano, violino e viola d'arco e Tim Harries no contrabaixo, June Tabor interpreta - essencialmente - canções tradicionais inglesas e francesas (algumas com centenas de anos!) com uma emoção e um grão de voz únicos, tanto em baladas de amor como em histórias de guerra e abandono ou em antigas danças campesinas. Destacar temas no álbum é complicadíssimo, mas atrevo-me a eleger quatro ou cinco: «The Dancing», «The Auld Beggarman», «Soldiers Three», «Au Logis de Mon Père» e o arrepiante de tão belo «My Love Came To Dublin». (10/10)


THE IMAGINED VILLAGE
«THE IMAGINED VILLAGE»
Real World/Virgin

As sucessivas tentativas de modernização das músicas tradicionais, sejam elas bem ou mal sucedidas, correm sempre o risco de desagradar aos mais puristas, aos Velhos do Restelo que gostam que tudo se mantenha inalterado, igual, mesmo que o «antigo» definhe, apodreça ou cheire a mofo. Não faço a mínima ideia de como é que os puristas da folk britânica terão reagido a este projecto, The Imagined Village, e ao seu álbum de estreia homónimo. Nem isso interessa. O que é importante, aqui, é que este é um fabuloso álbum de folk, de canções tradicionais das ilhas britânicas - e são muitas, ao lado de alguns originais dos participantes - reinventadas para o Séc. XXI por Simon Emmerson (dos Afro Celt Sound System), mentor da ideia, acompanhado por um naipe luxuoso de gente vinda do rock, da folk mais clássica e das suas margens, da fusão indo-britânica, do «spoken-word». Veja-se só: Billy Bragg, Martin Carthy e a sua filha Eliza, o «diseur» Benjamin Zephaniah, Paul Weller (sim, o dos Jam e dos Style Council), a cantora indiana Sheila Chandra, os Transglobal Underground, The Copper Family, The Gloworms e os Tunng, entre outros, e todos a contribuirem para um caldo em ebulição permanente e em que canções tradicionais são mergulhadas em violinos, guitarras e outros instrumentos acústicos, sim, mas também em programações e electrónicas várias, mas sem que alguma vez os elementos constituintes deste som soem deslocados. Se se quiser, isto já não é bem folk. Mas é música, seja lá ela qual for; grande música! (9/10)


RACHEL UNTHANK & THE WINTERSET
«THE BAIRNS»
Rabble Rouser/EMI

Sem ser uma revisitação, digamos, radical da tradição como é «The Imagined Village», «The Bairns», o segundo álbum da cantora e violoncelista Rachel Unthank e das suas companheiras The Winterset - a sua irmã Becky Unthank (voz e sapateado), Belinda O'Hooley (piano e voz) e Niopha Keegan (violino e voz) - é também um belíssimo exemplo de como se pode pegar em canções tradicionais e dar-lhes roupagens actuais, vivas e vibrantes. Completamente acústico - para além dos instrumentos referidos só há mais um cavaquinho (tocado pela própria Rachel) e, aqui e ali, uma secção de cordas, um contrabaixo e um acordeão -, o álbum é preenchido por uma fabulosa colecção de canções escolhidas a dedo por Rachel, de tradicionais a algumas surpresas como «A Minor Place», do geniozinho da alt.country norte-americana Will Oldham (aka Bonnie «Prince» Billy), e a fabulosa «Sea Song», de Robert Wyatt, para além de dois temas originais de Belinda O'Hooley (um deles cantado a solo por Becky, que também protagoniza mais uma ou duas canções). As outras todas são interpretadas de forma exemplar pela voz de Rachel - uma voz que faz lembrar... Joanna Newsom -, sobre arranjos variados, inventivos (oiçam-se as harmonias vocais das quatro em alguns temas) e de permanente bom-gosto. E aqui a tradição não está no passado nem num futuro qualquer, mas num presente mais que perfeito. (9/10)

5 comentários:

Anónimo disse...

De June Tabor, como já aqui disse uma vez, gosto muito, muito. Já conheço o disco e é, de facto extraordinário. Os outros dois não conheço, mas os seus textos são tão bons e apelativos que ficou uma vontade imensa de os escutar.

Chá de Lucia Lima disse...

June Tabor...?
Acho que etá tudo dito! Acrescentar mais o quê? Acho que só me falta mesmo esse seu trabalho mas, não deve ser por muito tempo: o expresso mail deve estar aqui mesmo à porta!

Xauê....

António Pires disse...

Rui G:

Sim, a June Tabor é um caso especial da folk. Não sei o que teria feito Sandy Denny se não tivesse morrido tão nova, mas sei que, se tivesse que escolher entre as duas - Sandy Denny e June Tabor - para o meu top absoluto da cantoras folk, June Tabor ganharia de qualquer maneira.

Um abraço...

Lúcia Lima:

Espero bem que te chegue depressa à caixa do correio :) O álbum é fabuloso, mesmo!!! Vais gostar...

((Kandandus))

Anónimo disse...

Também gosto imenso da Sandy Denny (nos Fairport Convention e a solo), mas acho que concordo consigo: entre as duas, o meu voto é para June Tabor.
P.S. Tive contacto com o seu blog há pouco tempo, mas tenho apreciado bastante, e entre as coisas mais significativas incluo as pequenas fichas que tem escrito sobre artistas, com as quais tenho aprendido alguma coisa. Uma das minhas paixões são os Malicorne, mas conheço pouco da sua história, apesar de ter os CDs «Almanach», «La bestiaire» e «l'extraordinaire tour de France...» Será que vai falar sobre eles algum dia?

António Pires disse...

Rui G:

Mais uma vez, muito obrigado pelas suas palavras acerca do Raízes e Antenas! Quanto à sua sugestão: não tinha pensado nos Malicorne para esta primeira série de «Cromos Raízes e Antenas» (série que vai acabar no número 50) - onde já destaquei o Alan Stivell, companheiro de Gabriel Yacoub em várias aventuras - mas é bem lembrado, sim senhor! Obrigado!