01 outubro, 2008

Cacharolete de Discos - Tango, Hip-Hop Latino e... Bongós!


A música latino-americana - e entenda-se aqui a música latino-americana como um mundo inteiro de músicas, da Argentina a Cuba, passando pelas comunidades imigrantes nos Estados Unidos - já fez muitas viagens. Em críticas a álbuns recentemente publicadas na «Time Out Lisboa» falei dos novos caminhos do tango trilhados pelos argentinos La Camorra Tango, pelo hip-hop de raiz cubana dos Orishas (na foto) e por uma lenda chamada Incredible Bongo Band. Aqui ficam os textos, recuperados da edição em papel.


LA CAMORRA TANGO
«12 POSTALES»
(Galileo/Megamúsica)

Nos últimos anos, o tango - género maior da música argentina e uruguaia - tem ficado mais mais conhecido pelos projectos em que, ao tango, se juntam electrónicas em maior ou menor grau: o Gotan Project, os Bajofondo Tango Club, os Tango Crash, Tanghetto... Mas a verdade é que o tango feito à base de vozes e/ou instrumentos acústicos continua de belíssima saúde, como se pode verificar em nomes como La Chicana, Escalandrum, 34 Puñaladas, Cristobal Repetto ou Adriana Varela. Ou na música deste grupo, La Camorra Tango, em que se reúnem cinco músicos - quase todos eles também compositores dos temas do grupo - de elevadíssima qualidade técnica, mas sem que isso obscureça a emoção avassaladora de que é feita a sua música. E com uma formação «clássica» do tango - guitarra, contrabaixo, violino, piano e bandoneón -, sem recursos a voz nem a electrónicas nem a outros instrumentos, os argentinos La Camorra Tango tocam tango e milongas, sim!, mas aliando-as a muitas outras músicas - o apelo improvisador do jazz, o rock em distorção (mesmo que a distorção seja sempre feita por instrumentos acústicos), um lirismo lindíssimo e por vezes exacerbado, o experimentalismo, a música erudita tratada à maneira do Kronos Quartet -, de um modo orgânico, apaixonado, arrebatador. A influência de Astor Piazzolla na sua música é uma evidência, mas é-o ainda mais porque lhes permite - à semelhança do que acontecia com Piazzolla - levar o tango para paragens distantes sem que deixe de ser tango. (*****)


ORISHAS
«COSITA BUENA»
(Capitol/EMI)

Desde os seus tempos como Amenaza - quando em Havana se atreveram a juntar percussões afro-cubanas ao seu hip-hop -, que os Orishas estabeleceram uma sonoridade originalíssima e muito própria, depois seguida por inúmeros outros grupos, tanto em Cuba como nas comunidades imigrantes cubanas nos Estados Unidos ou noutros países, como a Alemanha (de onde são os Culcha Candela, uma excelente alternativa para quem acha os Orishas demasiado «moles» ou «pop»). E «moles» e «pop» são epítetos que, de vez em quando, até se podem aplicar aos Orishas... Mas faça-se-lhes justiça: eles estiveram sempre na linha da frente da fusão de um género norte-americano - o hip-hop - com músicas locais, de raiz, influenciando decisivamente outros projectos um pouco por todo o lado (e não só os que misturam hip-hop com música latino-americana). No seu novo álbum, «Cosita Buena», o seu quarto de originais, os Orishas não se afastam dessa «missão», continuando a usar as características do hip-hop - o «flow», os beats, o scratch... e até as letras, muitas vezes intervenientes (como em «Maní» e «Que Quede Claro», entre outras) - como desculpa, uma excelente desculpa, para nelas injectarem ritmos como a salsa, o mambo, a rumba, o cha-cha-cha, a guajira ou, no tema «Machete», o reggaeton (género maior que vai ao hip-hop mais duro para o misturar com ritmos locais, à semelhança do dancehall jamaicano, do kwaito sul-africano, do kuduro angolano ou do baile funk brasileiro). Produzido por Tim Latham e masterizado por Tom Coyne, «Cosita Buena» é mais um passo seguro no caminho dos Orishas, que vai agradar novamente aos seus fãs e, eventualmente, desgostar mais uma vez os fãs... dos Culcha Candela. (****)


INCREDIBLE BONGO BAND
«BONGO ROCK»
Mr. Bongo Records/Multidisc

O tema "Apache", na versão da Incredible Bongo Band - e não na original, a dos Shadows - encontra-se na pré-história e na história do hip-hop como um dos temas mais samplados pelos maiores nomes do género (e aparentados) desde a sua pré-história: de Kool Herc, Grandmaster Flash e os Sugarhill Gang a Missy Elliot, Coldcut, Will Smith, Jurassic 5, Run DMC, Beastie Boys, Massive Attack, Moby... O mais engraçado disto tudo é que, durante décadas, pouco se soube sobre a lendária Incredible Bongo Band. Até que a Mr.Bongo Records - editora que deve o nome, em tributo, à banda - veio repor a História no seu lugar e reeditar agora os dois álbuns que fizeram o culto, subterrâneo, da Incredible Bongo Band: «Bongo Rock» e «The Return of The Incredible Bongo Band», ambos editados na primeira metade dos anos 70 e agora reunidos no CD «Bongo Rock». E o que era a Incredible Bongo Band?... Uma ideia, uma ideia de génio, de Michael Viner (na altura A&R da editora MGM), que reuniu uma banda formada por King Herrison (percussionista de mérito - e o tocador dos bongós que dão nome à banda - que tocava com Barbara Streisand e os Jackson 5), Hal Blaine (baterista de sessão com Phil Spector e os Beach Boys, entre muitos outros) e, conta a lenda, Ringo Starr, John Lennon e Harry Nilsson também participaram nas sessões de gravação dos álbuns da Incredible Bongo Band. Álbuns em que o funk, o jazz, a soul, guitarras em distorção, longos duelos de bateria e percussões, especiarias afro e latinas são uma constante quer nas versões de temas de outros - «Apache» (Shadows), «(I Can't Get No) Satisfaction» (Rolling Stones), «Sing Sing Sing» (Louis Prima), «In-A-Gadda-da-Vida» (Iron Butterfly), «Wipe Out» (Surfaris) quer nos originais que se encontram lá pelo meio. Esta reedição também inclui, como bónus bem-vindo, a versão de Grandmaster Flash para «Apache». (*****)

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