07 junho, 2010

Colectânea de Textos no jornal «i» (IV)


O povo que canta e dança no rio
por António Pires, Publicado em 16 de Julho de 2009

Quase a completar quinze anos de existência, a d'Orfeu - associação que pôs Águeda no mapa dos grandes festivais de música (e não só, estendendo as suas iniciativas a outras artes como a dança, o teatro, a mímica, o vídeo, etc...) em Portugal, além de funcionar também como escola e instituição agregadora de muitos músicos locais e exteriores (portugueses e estrangeiros) - voltou a ser a responsável por um espectáculo de características únicas no país: a reunião de centenas de músicos (este ano eram quase quatrocentos) e cantores da cidade e dos seus arredores, no Povo que Lavas no Rio Águeda (na foto, de Marilyn Marques), desta vez assim chamado porque teve como mote a canção "Povo que Lavas no Rio" (popularizada por Amália Rodrigues), do poeta Pedro Homem de Mello. Terra de poetas - Homem de Mello e também Manuel Alegre -, Águeda é também um local em que parecem existir mais músicos por metro quadrado do que em qualquer sítio do país. E a presença de grupos de rock e de blues, de hip-hop experimental e de percussões selvagens numa ceifeira "fluvial" ao lado de ranchos folclóricos, vários coros e dançarinas, barqueiros e manipuladores de vídeo - todos interagindo muitas vezes uns com os outros - num local mágico e encantado (o próprio leito do rio e as suas margens) e usando sempre reportório musical local contribuíram para que as duas apresentações, sexta e sábado passados, sejam inesquecíveis. Era tão bom que Portugal fosse todo assim!




Mas porque é que eles voltam?
por António Pires, Publicado em 23 de Julho de 2009

Numa altura em que a música portuguesa fervilha de criatividade e de novas propostas que nos fazem voltar a ter orgulho em muitos dos artistas e bandas que estão agora a emergir - novos nomes do fado (Carminho) e dos seus desvios (OqueStrada, Deolinda...), o eixo Flor Caveira/Amor Fúria (B Fachada, João Coração, Tiago Guillul, Os Golpes, Os Quais...), a pop visceralmente portuguesa do Real Combo Lisbonense, Virgem Suta e Os Tornados ou a ponte entre Lisboa e as cidades africanas em que ainda se fala português feita pelos Buraka Som Sistema, Makongo ou Batida, só para dar alguns exemplos -, é duvidosa a utilidade do regresso ao nosso universo musical de nomes como os Trabalhadores do Comércio (na foto), os Táxi ou os Ban, os dois primeiros com álbuns novos editados nos últimos meses, a banda de João Loureiro com álbum anunciado para breve. Não está em causa a legitimidade, ou até as boas razões, deste retorno às lides destes grupos (por coincidência, todos do Porto; mas até poderiam ser os Salada de Frutas, os Iodo ou os NZZN, de Lisboa e arredores, que o raciocínio seria o mesmo). Acredito até que nenhum deles - com carreiras profissionais de sucesso noutras áreas - precisa da música para fazer dinheiro e foi mesmo por amor que voltaram às canções, aos palcos, aos fãs que ainda lhes restam e à adrenalina dos bastidores. Mas a grande questão é: será que a música portuguesa precisa mesmo deles em 2009?




A canção ligeira portuguesa está a ser reabilitada
por António Pires, Publicado em 30 de Julho de 2009

Houve gente a abrir o caminho: os Delfins, com a sua versão de "O Vento Mudou" (com que Eduardo Nascimento venceu o Festival RTP da Canção em 1967), e os Xutos & Pontapés com "A Minha Casinha" (sucesso de Milú no filme "O Costa do Castelo"). Mas agora há muito mais gente a fazê-lo. O novo single de David Fonseca, "A Cry 4 Love", é, para além de uma belíssima canção (na linha de muitos outros temas compostos por ele, tanto nos Silence 4 como a solo), uma homenagem subtil a uma outra canção, "Pensando em Ti", dos Gemini, por sua vez inspirada num tema de Ástor Piazzolla. Tanto a entrada da secção de cordas como a linha melódica do refrão são devedoras directas desse tema gravado por Tózé Brito, Mike Sergeant, Teresa Miguel e Isabel Ferrão em 1976. Recentemente, também Rui Reininho (com "Bem Bom", das Doce, e igualmente com o dedo de Tózé Brito na composição), o Real Combo Lisbonense (na foto) - com standards esquecidos (passe o paradoxo!) da música ligeira e do ié-ié dos anos 60 como "A Borracha do Rocha", "Sensatez" ou "O Fado É Bom Para Xuxú!", entre outros - ou a fadista Kátia Guerreiro (com "Menina do Alto da Serra", popularizado por Tonicha) editaram versões de temas da chamada "música ligeira portuguesa", tantas vezes mal-amada e mal vista e, por isso.. temos de reconhecer que algo de importante está a acontecer: uma cada vez maior abertura e liberdade e um saudável reavivar da memória de muita - e não só de alguma - da nossa música.

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