29 junho, 2011

Viagem ao Norte de África (e de lés-a-lés!)


Hoje, o Raízes e Antenas recupera críticas (originalmente publicadas na Time Out) dedicadas à música do norte de África, do seu oeste ao seu leste e dos dois lados do deserto do Sahara. Mais especifiicamente de Marrocos à Eritreia, do Niger à Tunísia e à Argélia. Os nomes? Hasna El-Becharia, Ghalia Benali, Souad Massi (na foto), Etran Finatawa, Asmara All Stars e todos os que protagonizam mais uma colectânea dedicada à música árabe pela Rough Guide.




Hasna El-Becharia
"Smaa Smaa"
Lusafrica/Tumbao

Os gnawa, do sul de Marrocos, são o povo que descende dos escravos negros da África Ocidental levados para o norte do Sahara pelos árabes. Com uma música de transe – igualmente conhecida como gnawa – que traça a ponte entre os dois lados do grande deserto, no gnawa tradicional encontram-se os habituais gritos guturais das mulheres berberes, instrumentos típicos da música árabe (como as darabukas), mas também instrumentos próprios como as krakabs ou o guimbri, um baixo acústico. E Hasna El Becharia – um dos raros exemplos de argelinos a praticar esta música -, cantora de voz grave, exímia tocadora de guimbri e guitarrista, transporta sempre consigo esta tradição, mas nunca deixando de a levar para o futuro: como neste belo e novo álbum, "Smaa Smaa", em que o gnawa por vezes se aproxima do rai, outras vezes dos blues, outras até de um proto-flamenco. Uma lição. (****)



Ghalia Benali
"...Sings Om Kalthoum"
Zimbraz

Já há alguns anos, a cantora tunisina Ghalia Benali – então acompanhada pelo seu grupo Timnaa -, deu no saudoso Intercéltico do Porto um dos concertos obviamente menos “celtas” deste festival. Na altura ela fundia música árabe com flamenco, Balcãs e até havia lá uma... guitarra portuguesa. Agora, no seu novo álbum, Ghalia presta homenagem a uma das maiores cantoras de sempre do norte de África e Médio Oriente, a diva egípcia Umm Kulthum (ou Om Kalthoum ou outra das inúmeras maneiras ocidentalizadas de escrever o seu nome), que se notabilizou pela sua voz inimitável e pelos longuíssimos concertos que protagonizava. E Ghalia faz-lhe aqui justiça, recorrendo a um pequeno ensemble acústico, com arranjos descarnados e nenhuma tentativa de modernização da música de Umm. É um acto de amor e vale por isso. (****)


Etran Finatawa
"Tarkat Tajje/Let's Go!"
World Music Network/Megamúsica

A pouco e pouco, os Etran Finatawa – banda originária do Niger que agrupa músicos tuaregues e de etnia wodaabe (todos eles nómadas que já se cruzaram nos inúmeros caminhos do deserto do Sahara, ora combatendo e roubando esposas, ora convivendo pacificamente e participando nas festas familiares uns dos outros) – foram estabelecendo o seu nome, no sentido que Malcolm McLaren deu aos Sex Pistols, definitivamente no circuito da world music. Não são a coisa mais original do mundo (os Tinariwen, Tartit e Ali Farka Touré estão na sua base e inspiração maior), mas o desvio dado aos blues do deserto pelas harmonias vocais e os meneios musicais/transe quase “transgender” dos wodaabe fazem, e neste "Tarkat Taaje" ainda mais!, dos Etran Finatawa um objecto musical único. (****)


Vários
"The Rough Guide to... Arabic Lounge"
World Music Network/Megamúsica

Há centenas de colectâneas – e de variadíssimas editoras – de música árabe, do norte de África do próximo e médio Oriente... Umas mais electrónicas, outras mais chill out, outras mais pop, outras mais acústicas e jazzy. E "The Rough Guide to... Arabic Lounge" é uma amálgama disto tudo. Algo desequilibrado também por isso, o álbum contém no entanto algumas pérolas como a canção gainsbourguiana interpretada, logo a abrir, pelo libanês Ghazi Abdel Baki, alguns desvios jazz curiosos (outros, mais jazz de hotel, nem por isso) ou as vozes mágicas de Natacha Atlas e da palestiniana Rim Banna e, mais importante que o resto, traz como bónus o álbum de estreia de Akim El Sikameya, cantor e músico argelino que faz uma excelente ponte entre a Andaluzia e o norte de África. (***)


Asmara All Stars
"Eritrea's Got Soul"
Out Here Records/Megamúsica

Encravada entre o Sudão e a Etiópia, a Eritreia é – tal como os seus vizinhos próximos – um dos países mais pobres do mundo e, devido a sucessivos conflitos (incluindo uma longa guerra com a Etiópia), é igualmente um dos territórios mais isolados e imunes às influências das “antenas” viradas para o éter exterior. Talvez por isso, este álbum do super-grupo Asmara All Stars, gravado em Asmara (a capital do país) pelo produtor francês Bruno Blum, mostra uma música que poderia ter sido registada nos anos 70 e não em 2008 (data da gravação), onde, ao lado de sonoridades próximas do ethio-jazz tal como estabelecido por Mulatu Astatke se ouvem reggae, hard-rock, funk e soul. E, ao contrário de parecer requentado ou simplesmente retro, "Eritrea's Got Soul" soa a fresco e actualíssimo. (*****)


Souad Massi
"Ô Houria"
Island Records/Universal Music

Numa entrevista que deu a propósito do seu quarto álbum, "Ô Houria" – que significa “liberdade” –, a cantora argelina Souad Massi refere que continua a ter Leonard Cohen, Neil Young e Bruce Springsteen – ela começou a carreira num grupo rock – como principais referências musicais. Mas, ouvindo-se este novo álbum, pode dizer-se que nunca a sua música foi ao mesmo tempo tão argelina ou, se quisermos, magrebina (está aqui o fabuloso intérprete de oud Mehdi Habbad, dos DuOud e Speed Caravan) nem tão francesa (estão aqui, também bem presentes, Francis Cabrel e Michel Françoise), embora lá esteja também um “bife” inesperado: Paul Weller! Mas o que fica disto tudo é o melhor e mais maduro disco de Souad até à data: interventivo, apaixonado, sem fronteiras. (****)

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